Dias atrás, eu conversava com um colega de trabalho sobre o genocídio em Gaza. Falava da crueldade de Israel, do horror das crianças debaixo dos escombros, da fome sendo usada como arma, da humilhação constante imposta a um povo inteiro. Mas, para meu espanto, ele tentava contemporizar, como se nada fosse tão grave assim. Trazia um discurso religioso confuso, enviesado, claramente influenciado por uma visão protestante fundamentalista. Dizia coisas como: “Israel é o povo escolhido por Deus”. Eu tentei argumentar, com calma, com respeito — afinal, somos colegas. Mas ele não parecia disposto a escutar.
Isso não me surpreende tanto assim. Muitos protestantes pensam dessa forma porque a Bíblia é recheada de menções a Israel — o Israel bíblico, que era uma comunidade de fé, não o Estado-nação que vemos hoje. Aliás, o conceito de país que existe hoje sequer existia nos tempos bíblicos. Muita gente lê essas passagens e associa diretamente ao país moderno, como se os contextos fossem os mesmos. Não são.
Sendo eu evangélica, às vezes alguém me pergunta o que penso sobre Israel desse ponto de vista religioso. E eu respondo com sinceridade: minha fé não está baseada em nacionalismos, em guerras ou em bandeiras. Eis a minha visão:
Deus amava um homem: Abraão. Ele amava tanto esse homem que fez a ele uma promessa:
“Farei de ti uma grande nação, e te abençoarei, e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção.” (Gênesis 12:2)
Essa promessa incluía filhos, descendência, continuidade. Abraão teve dois filhos: Isaque e Ismael. A tradição judaico-cristã diz que Isaque deu origem ao povo judeu, e Ismael, ao povo árabe. Deus amava Isaque? Sim. Mas também amava Ismael. O povo árabe também faz parte do povo escolhido por Deus.
“Quanto a Ismael, também te ouvi: eis que o abençoarei, fá-lo-ei fecundo e o multiplicarei grandissimamente.” (Gênesis 17:20)
Não me parece justo, nem divino, amar apenas um dos filhos. Um Deus que ama, ama por inteiro. Um Deus que promete bênção, não exclui. Um Deus que vê, vê todos.
Deus nunca esteve ao lado do império, da opressão, da violência institucionalizada, do assassinato de crianças. Na Bíblia, Ele está com os marginalizados, com os que têm fome e sede de justiça, com os pobres. Deus sempre está com os mais fracos:
“O Senhor está perto dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito oprimido.” (Salmos 34:18)
“Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus.” (Mateus 5:3)
“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.” (Mateus 5:4)
“Ele faz justiça ao oprimido, dá pão aos famintos. O Senhor liberta os presos.” (Salmos 146:7).
Se há um povo que hoje clama por consolo, são os palestinos. Se há um povo ferido, humilhado, desalojado e massacrado, são eles. E eu me recuso a crer que o Deus em quem acredito, o Deus de amor, de justiça e de misericórdia, esteja ao lado de tanques e mísseis.
Deus não tem lado geopolítico. Ele tem um lado que é cheio de amor, justiça e misericórdia. Ele sempre está ao lado dos que sofrem.
Essa é a minha fé.
