Prisão de Guantánamo, ano de 2025. Entre os semblantes sombrios dos prisioneiros, um recém-chegado tenta se enturmar:
-Hola, hermano! Meu nome é Hermes! Y usted ?
-Prazer, soy Carlos! Usted é novo aqui, não?
-Si, si…cheguei ontem, estás aqui há muito tempo? E por que estás prisioneiro?
-Há um ano…ora, e por que seria? Por supuesto, acusado de terrorismo, como todos aqui!
-Sério? Eu sou um imigrante ilegal.
-Ah, então estão ampliando o leque de hóspedes…de qualquer forma, sem ofensa, sejas bem-vindo hermano!
-Gracias, Carlos! Mas devo dizer que usted não parece um terrorista.
-E não sou, mas isso não tem a menor importância para eles.
-Gostei de usted! Queres ouvir uma história verídica…daquelas que te garanto não estar em nenhum livro?
-Por que não? Não há mesmo muito a se fazer por aqui para se passar o tempo.
Satisfeito com a simpática acolhida de Carlos, Hermes bebericou água do copo à sua frente e, antes de iniciar a sua narrativa, advertiu o colega de infortúnio:
-Muy bien! Mas te peço uma coisa, não me perguntes como sei de tudo que vou te contar, pelo menos não até eu terminar a história, de acordo?
-Muy bien, hermano, como quiseres!
-Bem, tudo começou com um conflito entre deuses durante os primeiros tempos do Império Romano.
Ocorre que Plutão, deus das sombras que prefiro chamar de Hades, sua forma grega, estava magoado e muito insatisfeito com o seu irmão Júpiter, que vou chamar pelo apelido grego: Zeus.
Conforme conta a mitologia, Zeus era o deus supremo do panteão reverenciado pelos mortais daquela época, pelo menos dos mortais influenciados pela cultura grega.
Hades acreditava que estava relegado a um humilhante segundo plano na configuração de poder divino e, mais do que isso, considerava que sua filosofia para o mundo terreno, ou seja, sofrimento e mortes em profusão como prioridades para a existência dos mortais, não estava mais na ordem do dia da humanidade.
Isso porque Zeus decidiu favorecer com sorte, glória e poder, um romano de excepcionais qualidades e depois também a sua descendência. Falo do estadista, orador e general Júlio César e do seu sobrinho-neto, Otávio Augusto, de fato, os dois primeiros imperadores de Roma.
Eles colocaram ordem na casa e, sob a sua batuta, salvo um incidente ou outro, o mundo ocidental prosperou, os indivíduos e as multidões sentiram mais prazer em estarem vivos.
Esse sentimento de satisfação com a vida perpassava tanto a elite como as classes mais desfavorecidas da pirâmide social romana, assim como também os povos estrangeiros submissos ao grande império.
Então Hades achou que aquilo não podia continuar assim e decidiu sabotar aquela Pax Romana. E o que ele fez?
Pensou em usar as suas artimanhas para promover a ascensão de um mortal inclinado a ter a sua visão de mundo às rédeas do poder em Roma. Mas tinha que ser alguém que já tivesse incrustado em seu espírito o gosto pela promoção da infelicidade, do sofrimento e do caos.
Desta forma, ele começou a observar atentamente quem poderia representá-lo condignamente no trono de Roma, pois não poderia errar na escolha e assim desperdiçar um precioso cartucho.
Sabia que Zeus poderia desconfiar da sua intervenção se essa não fosse feita com muita habilidade e, isso posto, desfazer seu trabalho e, ainda, castigá-lo e a seu pupilo.
– Eita, hermano, quando isso vai descer para a terra? Até agora, usted só contou uma história da carochinha, zombou Carlos.
– Calma, amiguito, vais ver que essa introdução é fundamental para usted entender a essência e o desfecho dessa história que, por sinal, tem muito a ver com a nossa atual situação aqui e agora, argumentou, Hermes.
–Sério? Se tu dizes…então prossiga, mi amigo!
– Gracias pela paciência, Carlos! Então, prosseguindo, na Roma daquela época vivia uma mulher excepcional, uma estadista do mesmo calibre de Cleópatra, a rainha do Egito, mesmo que não tão famosa ou badalada como ela: seu nome era Agripina.
Agripina foi a mulher que influenciou decisivamente o rumo de três governos imperiais romanos: ela era irmã do imperador Calígula, foi esposa do imperador Cláudio e mãe do futuro imperador Nero.
Após a queda e morte do irmão, Calígula, ela se casou com o sucessor deste, Cláudio que, por sinal era seu tio, ao mesmo tempo em que, habilidosamente, convenceu o imperador a adotar o filho do seu primeiro casamento, Nero e, ainda por cima, nomeá- lo como seu sucessor em desfavor do filho do marido, Britânico.
Todavia, mesmo com toda sua expertise, Agripina certamente não imaginou que poderia estar cometendo o maior erro da sua vida.
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O capítulo II será publicado na quarta-feira, 21
