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Dona Clotilde, a pura

Logo no começo do dia, minha amiga nordestina entra no WhatsApp.

Dona Clotilde, cozinheira de mão cheia. Conheci o anjo há uns quatro anos em viagem de pesquisa e trabalho a Araruna, interior da Paraíba. Lugar mágico, terra da Pedra da Boca e de um Parque natural capaz de nos levar direto às galáxias nas noites estreladas daquele sertão.

Mas, de fato, Dona Clotilde amanheceu na internet e mandou-me um áudio bem aperreada, venenoso:

“Seu Gil, menino…estou de mãos trêmulas, suando frio!”

Já conheci Dona Clotilde assim: trágica, simples, ingênua e pura. Com a voz embargada, prenha de toda a honestidade (e credulidade) deste mundo, ela prosseguiu:

“Tá, tá…tá… tá tudo confuso…Estamos num pandemônio! É vírus e gente de máscara parecendo o cangaço, terroristas de banco lá da capital e nem ministro temos na Saúde, visse? O general lá nem sabe de nada, geografia então? Afe!!! .., inverno em dezembro, o tal do presidente imitando gente que tá morrendo de falta de ar e mentindo com cloroquuina pro povo…não aguento mais, não, visse?!!!”.

Ouço carinhosamente as dúvidas e aflições de minha amiga, a Rainha da Pureza e da Ingenuidade, porém, esperta, intuitiva e sabida como todo o povo do Nordeste que conheci na viagem. Tento acalmá-la:

“Nada, Dona Clotilde, fique tranquila! Logo as coisas melhoram, não se avexe, não..As abóboras se ajeitam no carretão e tudo ficará bem”.

Minutos depois, o áudio dela com a resposta curta e direta:

“Êta porra, seu Gil; tu não me embrome, ômi… O peste do cabra safado do presidente tá mangando de nóis, tá com coversa de miolo de pote; já botou gaia em nóis eleitô…Tâmo ferrado, seu Gil…Arre-égua!”.

Além do coronavírus, da seca crônica nordestina, o maoir problema de Dona Clotilde é que ela já desgostou e se arrependeu do voto no Mito. Mas o marido dela, Zelão, homem da terra, simples e teimoso feito jegue, briga, ameaça e faz labacé de passar vergonha e continua defendendo o Capitão. Dona Clotilde fez uma plaqueta com a frase “É o fim do mundo todo dia da semana”, e colocou na porta do quarto dela e do marido.

Pura, apimentada e espertíssima, a Dona Clotilde! Típica mulher de fibra, corajosa, descendente direta de mulheres como a professora Anaíde Beiriz, a “pantera dos olhos dormentes”, símbolo da força e do vanguardismo da mulher paraibana lá dos anos 20. Esta Dona Clotilde é mesmo uma santa; deveria ser canonizada para além dos tempos. E cozinha como ninguém, ô gente!

Em tempo: Zelão anda dormindo com a camiseta amarela do Mito, mas no velho sofá da sala, não tem? Dona Clotilde soltou o verbo e alguns palavrões em três ou quatro novos áudios.

Por último escreveu no whatsapp:

“Pode, seu Gil?… Até briga de casal e separação sexual o ômi lá tá provocando! Pode, não…Égua!

Desse jeito ele não termina o tempo de presidência, não. Parece leso, vive correndo atrás de uma galinha enorme… Avestruz… -nunca vi- lá no palácio de Brasília. Sei não, ômi: ou o Mito acaba na cadeia, no hospício ou debaixo de sete palmos, visse?!”

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Gilberto Motta é escritor, pesquisador, jornalista e gosta de avestruzes; não de cloroquina. Vive na Guarda do Embaú SC e escreveu esta crônica para o livro MIOLO.

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