Notibras

E pegou uma porção de barro e moldou dois golens, um macho e uma fêmea

– Tô muito louco… Cheirar pó de estrela pelo tubo intergaláctico, o chamado buraco de minhoca, dá um tóiiim na cabeça!

Quem falou essas palavras foi YHWH, muitos milênios mais tarde nomeado como Yahweh, ou Javé, ou Jeová. É que o universo estava saindo do forno, e não havia pessoa alguma que pudesse chamá-lo assim. O drogadão era um dos dois únicos seres existentes; o outro era sua consorte Asherah, muitos milênios mais tarde adorada como rainha dos céus, mãe de todos os viventes e assim por diante.

Obrigados a conviver por toda a eternidade, Yahweh e Asherah engoliam sapos (que não existiam, diga-se) e tentavam disfarçar o desprezo mútuo. É que seus prazeres divergiam. Se o esposo era chegado em uma farinha estelar, a semsorte era caretona, mas gostava do fuzuê. E o chincheiro comparecia pouco. Não é que fosse velho, era eterno, o que é ainda pior.

“Não é que não goste de trepar com Assherah”, dizia sempre Yahweh a si mesmo. “Na hora do vuquevuque, ela rejuvenesce, fica linda e gostosa. Mas, depois, volta ser a mesma eterna pelancuda, argh!”.

De qualquer modo, ele prosseguiu com a obra descrita no Livro do Gênesis. Depois de criar a Terra e os animais (inclusive os sapos, refeição quase cotidiana do casal eterno), pegou uma porção de barro e moldou dois golens, um macho e uma fêmea. A seguir, deu-lhes vida e os chamou de Adão e Lilith. Finalmente, sentou-se para ver como os dois imitavam os bichos, quer dizer, transavam feito coelhinhos (além de drogado, ele era voyeur).

Foi um chabu. Os humanos recém-criados eram virgens de carteirinha, mas Lilith sabia o que desejava e dirigia as operações.

– Vamos, Adão. Enfia esse negocinho em mim, porra!

– Negocinho? Você nunca viu um tão grande!

– Claro que não, né, Pedro Bó! Só tem nós dois nesse mundão…

As ofensas de Lilith fizeram com que Adão abandonasse o combate amoroso – em palavras mais cruas, brochasse com tudo. Ele bem que tentou se justificar:

– Isso nunca me aconteceu antes…

– Claro que não, né, seu imprestável! Somos recém-criados, é a primeira transa de nós dois, e você nega fogo, foge do pau…

Emburrado, Adão sentou-se sob a árvore do conhecimento e pediu a Yahweh que lhe descolasse uma mulher mais submissa, respeitadora da primazia masculina na ordem natural das coisas. O criador aceitou a petição, o fez dormir, retirou-lhe uma costela e com ela criou Eva, mas isso é outra história.

Havia um problema: o que fazer com Lilith? Estimulado pela inventividade da moçoila nos jogos do prazer, Yahweh murmurou para si mesmo ”Barro novo na zona” e a levou para o céu. Logo haveria uma festinha com ele, Lilith e Asherah.

Só que não houve. Ao ver Lilith, a eterna mordeu os lábios de desejo e se tornou imediatamente uma mulher linda e sedutora. Por sua vez, a primeira mulher pensou, “Que bom, alguém igual a mim, a gente sabe do que gosta…”, avançou e beijou-a nos lábios. As duas se enroscaram, esquecidas do pobre Yahweh, que assistia a tudo, furibundo.

A entidade que seria qualificada, muitos milênios mais tarde, como um deus ciumento jurou vingança. Tratou de descartar Lilith dos relatos do Gênesis, mas o êxito não foi total. Em Gn 1:27, consta que “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher”, ao passo que a pobrezinha da Eva só é mencionada no versículo 22.

O resultado foi que Lilith passou a ser descrita, em alguns relatos, como um demônio. Mas seu status de primeira mulher criada subsistiu em relatos da mitologia judaica e em textos cabalísticos. Pouco a pouco, sua imagem foi recuperada, e hoje a primeira fêmea humana, feita de barro e não de uma costela, é vista como arquétipo da mulher livre, que conhece o que deseja e não hesita em ir à luta para conquistá-lo.

Asherah, por sua vez, foi quase banida dos relatos bíblicos. A exceção foi o livro do profeta Jeremias, que menciona o culto à “rainha dos céus”. Seu nome aparecia umas 40 vezes no Velho Testamento, mas foi suprimido e/ou substituído. Fora isso, apenas algumas evidências arqueológicas e umas poucas inscrições atestam sua existência.

Não que a consorte de Yahweh se importasse. Ela e Lilith continuaram a divertir-se, e também passaram a traçar qualquer um que lhes caísse nas mãos (ô bicho pra ter nome). Podia ser divindade, humano, periquito, papagaio, o que pintasse. E assim as duas viveram felizes, pelos séculos dos séculos, amém.

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