Ela estava morrendo de fome. Pior, seus dois filhotes estavam morrendo de fome. Por isso, fez algo que geralmente evitava: aproximar-se do reduto dos homens.
Não sabia, mas a sorte estava do seu lado. Não era um acampamento de caçadores e sim um safári fotográfico pelas savanas da África. Assim, poucos estavam equipados com as odiadas armas de fogo.
De repente, ela sentiu um odor irresistível de carne tenra e leite. Esquecendo qualquer precaução, saltou sobre a boma, a proteção circular de espinhosos galhos de acácia, e atacou.
No acampamento, em uma tenda espaçosa, suas silhuetas delineadas pela fogueira no centro da boma, Silvana, fotógrafa de 29 anos, brincava com Sílvia, sua filhinha de 4 meses.
A brincadeira, O gato comeu, era um pretexto para toques e afagos. De início, a mulher seguiu o padrão clássico das perguntas e respostas – “Cadê o toucinho que estava aqui? O gato comeu” – mas logo passou a focalizar os membros da criança. “Cadê os dedinhos que estavam aqui?”; “Cadê a barriguinha que estava aqui?”; “Cadê a bebezinha que estava aqui? O gato comeu”.
As cócegas não paravam, e as duas riam. Silvana, derramando-se de amor; Sílvia, em uma entrega total àquele ser de um cheiro tão gostoso, tão quente, de leite e carinho.
Foi naquele momento que o gato rasgou com as garras a lona da barraca. Na verdade, era um dos grandes felinos da África: um leopardo, caçador solitário e letal. A fera abateu Silvana com um bote e uma mordida na garganta, como fazem os leopardos. Em seguida, fez o mesmo com a criancinha. Esta havia ensaiado um choro, mais de ultraje pela interrupção da brincadeira e pelo afastamento daquela que jamais chamaria de mãe, do que de pavor. E tudo terminou.
Como fazem os leopardos, ela devorou um pouco da carcaça da bebezinha para saciar sua fome mais urgente. Contendo-se a custo – aquela carne tenra com odor de leite era deliciosa –, abocanhou o corpo recém-abatido, saltou sobre a proteção espinhosa e perdeu-se em meio à escuridão da savana. Naquela noite, seus filhotes seriam desmamados, aquela presa tão macia era ideal para a transição.