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Em busca do sentido para além do diálogo niilista

Este pequeno texto sobreveio de uma necessidade de refletir sobre como o amor, para mim, tornou-se o farol que ilumina a estrada da minha vida. O amor pelas minhas avós (in memoriam), pelos meus pais, marido, irmãos, filhos caninos, e a arte de lecionar me impulsionam neste desejo de viver. E você, já encontrou o sentido da sua vida? Ofereço uma pequena reflexão abaixo sobre o tema.

Já se deu conta de que a maior parte dos seres humanos usa o tempo de maneira larga e vazia? Vive como se, de fato, tivesse alguma certeza de que, pela ordem natural do universo, os seus (incluindo de terceiros) óbitos somente lhe sucederão quando idosos? Tanto é assim, que o homem aspira, a todo custo, como o objetivo principal do seu presente, acumular riqueza, com olhos habituados no futuro, a fim de desfrutar da sua existência quando não mais apresentar uma idade produtiva e sob o custo de deixar de viver uma vida que valer-se-ia por ela mesma. Ao mesmo tempo que, quando doentes, “estão preparados para gastar todos os seus bens para viver, tamanha é a confusão dos seus sentimentos.” (SÊNECA, p. 44).

Certo é que a vida se bem empregada transcorrerá, desassociada do momento de sua cessação, de maneira suficientemente longa, ao passo que será classificada como curta se for desperdiçada uma grande parte dela (SÊNECA, p. 26), ainda que, porventura, se escute com frequência a seguinte frase: “ele completou 90 anos, já viveu muito.” Contudo, nem todos souberam cultivar a arte da viver como forma de expressão máxima do exercício da liberdade pessoal.

Segundo Viktor Frankl, neuropsiquiatra austríaco, sobrevivente de quatro dos diferentes campos de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial, sua experiência de vida como prisioneiro ratificou a importância da última das liberdades humanas: a liberdade da consciência individual. A prisão, a falta de sono, a alimentação deficiente, o excesso de trabalho, estresses mentais e a constante iminência da morte não foram capazes de afastar a sua autodeterminação, em escolher suportar todo este seu sofrimento com coragem, honra e abnegação. A sua força interior foi capaz de elevá-lo acima de seu aparente destino (p. 89). E veja-se: num mundo de sucesso material, como o é em circunstâncias normais, tal sacrifício – por ter, no seu eu interior, livremente optado, não obstante encarcerado, em manter a esperança, ainda que tudo viesse a dar errado e a luta fosse dada como perdida – indubitavelmente, iria parecer inútil para a maior parte das pessoas que não haviam descoberto um propósito na vida.

O autor retromencionado faz questão de sempre citar as palavras de Friedrich Nietzsche: “quem tem um porquê para viver, suporta quase qualquer como” (p. 97). Trazendo para a construção da arquitetura do seu pensamento, a título de exemplo, tanto aqueles que se encontram desempregados, quanto os doentes terminais, porquanto em ambos os contextos, deixam-se abalar em suas forças vitais ( leia-se: liberdade de escolha mental de sucumbir à tristeza, ainda quando não se é capaz de mudar uma situação, ou abraçar com coragem toda a carga de sofrimento, desafiando-se a mudar a si mesmo), onde os primeiros passam a não mais visualizar o fim de sua situação de desemprego (embora provisória), e os segundos passam a não apresentar a capacidade de enxergar o sofrimento e a morte como partes irrevogáveis da vida, a despeito de uma provável privação de um futuro próximo.

Não resta dúvida de que não é necessário sofrer para encontrar sentido (p. 122), mas deve-se aceitar o fato de que, se alguém sofre, tal sofrimento será uma “missão pessoal, exclusiva e singular” (p. 98), ninguém poderá padecer em seu lugar.

A sustentação da liberdade da consciência individual nas profundezas da alma humana, muitas vezes dilacerada pelos percalços, dores, tormentos, amarguras da existência e, até mesmo, nas comparações de história de vida com os demais membros da sociedade (intensificada pelas redes sociais), se perfaz na busca de um sentido concreto para existir, seja na realização de uma ação/obra, da vivência/encontro de um amor, e o modo pelo qual se responde ao sofrimento imposto por ela (p. 120).

Toda deliberação racional sobre os rumos da própria vida recai na responsabilidade que se tem sobre as consequências daquela liberdade pessoal (interna/moral). Entretanto, ela se torna muito mais florida quando se é capaz de transcender em direção aos outros, distanciando-se do objetivo egoístico de apenas procurar ostentar poderio econômico, seja com carro do ano, cordões de ouro, roupa de marca, celular novo, apartamento de luxo e outros.

Afinal de contas, como “a vida que vale a pena a ser vivida” é somente a sua, não despreze a maior parte dela sem desfrutar dos seus valores imateriais (eis que toda a riqueza se esvairá com a morte), sob pena do vazio existencial condenar a sua existência a conservar-se oscilando entre a ânsia de ter e o tédio de possuir (Schopenhauer, p. 37).

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BIBLIOGRAFIA: FRANKL, Viktor. Em busca de sentido: edição para jovens leitores. 2º ed. Campinas: São Paulo, Ed. Auster, 2023. SCHOPENHAUER, Arthur. Dores do mundo. O amor. A morte. A arte. A moral. A religião. A política. O homem e a sociedade. São Paulo: Edipro, 2014. SÊNECA, Lúcio Anneo. Sobre a brevidade da vida. Porto Alegre: L&PM, 2022.

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Sandra J. M. Villaverde (Instagram: @profsandra.villaverde) é professora universitária e advogada criminalista no Rio de Janeiro – RJ.

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