Arlindo Cruz se foi aos 66 anos. E com ele pulsa a alma do samba esse corpo coletivo que resiste ao tempo, ao esquecimento e à normalização do silêncio. Arlindo não era apenas sambista: era historiador da alegria, tradutor de esperança, dramaturgo do cotidiano. Como ensina Geertz, cultura é texto; o samba de Arlindo era leitura de si mesmo, com notas de dor, fé e perseverança.
Graeber diria que o samba cria comunidades. Na roda, no pandeiro, no verso, vem a resistência. Arlindo compôs sambas que foram enredos para escolas, sambas que deram forma à cidade e à cultura. A Império Serrano, que o homenageou em 2023 com o enredo “Lugares de Arlindo”, sabe: ele habitava essas ruas, esses templos de chão de terra e feijão.
A morte de Arlindo nos lembra da urgência de manter viva a música popular como território de memória e afetividade. Se ele se foi, o samba não pode desaparecer. A Constituição histórica da cultura brasileira deve ser preservada em rodas, textos, grafites, cantorias em tudo que tecefaz resistência emocional e territorial.
Silvia Federici falaria da luta pelo comum; Mbembe, da luta do excessivo. O samba, em sua rebeldia harmônica, é o corpo que dança contra o colapso. Que o silêncio de Arlindo seja também epígrafe de um convite: não deixemos o samba morrer. Que a pele do ritmo, mesmo sem ele, continue vibrando nos quintais, nas noites, nas almas que não param de sambar.
