Diante da folha em branco, palavras vão formando uma história.
Relembrar fatos e transcrevê-los.
Era uma noite de temperaturas amenas.
Receberíamos, nas arquibancadas frias de concreto do ginásio, no nosso colégio, um mestre de cena e palavras verbalizadas: Plínio Marcos.
Após uma espera um pouco longa, entra em cena o autor. Calça jeans, camisa e casaco. Barba por fazer, seus olhos miúdos, correm a arquibancada, fala como se estivesse em casa ou na mesa de bar. Suas palavras tinham encaixe perfeito, certeiro.
Nossa professora Maria José estava em silêncio, também embevecida pelo momento, havia uma tensão quase imperceptível no ar. A atmosfera ficou tensa no momento em que foi aberto às perguntas. O autor carismático e pontual nas falas se tornou reticente…
Comprei um livro e ao pedir para autografar, no final, recebi um visto na página em branco.
Suas obras na época, foram comparadas às de Nelson Rodrigues. Tinha o apelido de “o escritor maldito”…
Muitos e muitos anos depois, num grupo de ex-alunos, foi relatado que o autor fora fazer a palestra acompanhado e vigiado… Tempos velados, marcas da ditadura.
O livro de que falo é pequeno, quase de bolso, não possui data e se chama: Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos. Minha relíquia, com prefácio de Mino Carta.
Agradeço à minha mestra Maria José por apresentar tantos autores, entre eles Plínio Marcos. Suas peças teatrais a que assisti naquela época: Navalha na carne, Dois Perdidos numa noite suja e Abajur Lilás me levaram para além dos muros de casa, da escola, do bairro. Deparei-me com outros mundos, dentro do mundo em que vivia.
Não é à toa que foi tão censurado e teve peças censuradas pela ditadura por mais de 10 anos. Fazia as pessoas pensarem, refletirem, sair de dentro dos casulos…
Deixo um trecho de Inútil Canto e Inútil Pranto pelos Anjos Caídos:
” …Eram vinte e cinco homens.
Vinte e cinco homens empilhados, espremidos, esmagados corpo e alma, entre grades de ferro e úmidas e frias paredes.
Eram vinte e cinco homens, mais seus desesperos, seu tédio, suas desesperanças e o tenebroso ócio, colocados num imundo cubículo onde mal caberiam oito pessoas, para esperarem a morte. Eram vinte e cinco homens colocados no cubículo pelos cidadãos contribuintes.”
