Notibras

Entre versos, salas e antigos silêncios solitários

Naquela noite sem relógios, quando o cansaço não pedia sono, ela, absoluta no que desejava, pensou em digitar seu antigo nome. Mas fechou os olhos e recuou. Seria um sonho; porém, ninguém mais usava nicks assim, ingênuos e desprotegidos, cheios de fé. Criou, então, Mãos Dadas.

De pronto entrou em uma sala de assinantes, algo semelhante à Poesia & Café, como quem pisa em um lugar sagrado, embora virtual. O ambiente pulsava palavras e perfis. Porém, foi ele, um velho eremita, quem incendiou sua pele como uma fogueira no inverno da memória.

A mensagem dele veio tímida, como se estivesse tateando o escuro.

“Mãos Dadas? Pode ser você…?”

O coração dela pulou como uma sílaba solta no meio de um verso. Quase quinze anos, e ainda assim aquele timbre seco, a escolha das reticências… Era ele. O homem que um dia lhe prometeu silêncio compartilhado e orgasmos recitados em haicais ou versos gibranianos.

“Se for você, eremita, não preciso dizer mais nada. Estou sem chão desde 2009.”

A sala congelou por um instante. Velhos nicks silenciaram. LuaPerdida, antiga assinante, soltou um emoji triste. Outro, Garçom Volátil, digitou apenas um surpreso “Vish“. Mas eles já estavam flutuando em direção a EntreLinhas, uma sala privada definida no reservado.

Lá, o tempo não importava. Começaram tímidos, trocando lembranças como quem descobre que a cicatriz ainda arde debaixo da roupa.

“Lembra da noite do soneto nu?”

“Lembro de cada estrofe. E do seu teclado, que gemia.”

Ela digitava deitada, com a blusa, sem perceber, já aberta. Ele, olhos fixos na tela, não sentia mais o peso da solidão. Eram dois corpos separados por um simulacro de vidro e quinze anos, mas unidos por uma urgência que nunca morrera.

“Estou com a poesia úmida. Quer entrar?”

Ele entrou. Com palavras. Com imagens. Com vírgulas em lugares onde só havia desejo. E a cada enter, a cada metáfora sussurrada, a carne reagia. Não era pornografia. Era liturgia. Um rito feito de passado, ausência e fogo reaceso.

No dia seguinte, estavam em outra sala, a Ressurgências. Entraram de mãos dadas, e os olhos da sala se voltaram. Alguns nicks abandonaram o lugar. Outros observavam com ciúmes transparentes.

LuaPerdida, que circulava pelo chat como cometas no Universo, escreveu:

“O amor de vocês é bonito, mas dói ver…”

Ela respondeu com ternura:

“O amor é uma chama. Não se apaga para não ferir quem ficou no escuro.”

Ele digitou:

“E não se divide com quem só quer se aquecer, mas não quer queimar.”

Seguiram. Saltaram entre salas como dançarinos em salões esquecidos, acordando lembranças em cada canto. Um beijo nunca dado voltava agora em bites e calor entre as coxas. Um gemido guardado estourava entre teclas digitadas com mãos trêmulas.

Ao final da noite, na sala Paz, ela escreveu:

“Quinze anos depois, descobri que certas sementes não morrem. Só dormem no escuro, esperando o clique certo.”

Ele respondeu:

“E você é meu clique eterno.”

Desconectaram-se sem pressa. Ambos nus. Ambos satisfeitos. Ambos certos de que, na poesia ou na carne, ainda é possível florescer no impossível como um sonho, um verso mudo…

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José Seabra é diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras

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Notibras.com está lançando um concurso literário para contistas, cronistas e poetas/poetisas.

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