Nos últimos anos, temos vivido um processo importante e necessário de repensar a linguagem que usamos no dia a dia. Muita gente tem evitado o uso de palavras e expressões que, embora naturalizadas por muito tempo, carregam um peso simbólico e histórico que não dá mais pra ignorar. Expressões como “denegrir”, “samba do crioulo doido”, “a coisa tá preta” e tantas outras estão caindo em desuso, não porque as pessoas resolveram ficar mais sensíveis, mas porque a sociedade, aos poucos, vai entendendo que palavras não são neutras. Elas têm raízes, têm memória, têm consequências.
Mas apesar desse avanço, ainda tem alguns termos que continuam sendo amplamente usados, e que sempre me incomodaram — mesmo que não entrem (ainda) nas listas de expressões “politicamente incorretas”. Um deles é artesanato. Não é que eu não goste do que a palavra nomeia — muito pelo contrário, admiro profundamente quem tem a habilidade de transformar matéria-prima em beleza, em utilidade, em história. O problema é que, muitas vezes, o termo “artesanato” serve para diminuir o que, na prática, é arte. É comum ver trabalhos riquíssimos de mulheres, povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, sendo classificados como “artesanato”, enquanto esculturas minimalistas feitas por homens brancos em galerias recebem o rótulo nobre de “arte contemporânea”. Me incomoda essa hierarquia silenciosa. Como se a arte só fosse arte quando feita por certas mãos, em certos contextos.
Outro termo que me causa desconforto é dialeto. A palavra parece inofensiva, mas carrega uma sutileza traiçoeira. Quando dizemos que alguém fala um “dialeto”, geralmente estamos nos referindo à fala de uma comunidade específica, muitas vezes marginalizada — indígenas, quilombolas, populações rurais ou periféricas. O uso de “dialeto” sugere que essa forma de falar é “menos” que uma língua “de verdade”. É como se fosse um português mal acabado, ou um idioma que não se qualificou o suficiente pra ter seu próprio RG linguístico. E isso é uma grande injustiça. Toda forma de linguagem é legítima e carrega cultura, identidade, resistência.
E, por fim, tem um termo que me incomoda especialmente em contextos institucionais: menor. Quando alguém diz “o menor foi apreendido” ou “vamos oferecer atendimento ao menor”, me dá um arrepio. Porque “menor”, nesse uso, desumaniza. Apaga o fato de que estamos falando de crianças e adolescentes, sujeitos de direitos, com nome, com vida, com história. A palavra carrega um tom policialesco, reducionista, que coloca a juventude — especialmente a juventude pobre e negra — no lugar da infração, da suspeição, da vigilância. E isso, sinceramente, é algo que precisamos rever com urgência.
A linguagem muda, é verdade. Mas ela muda quando a gente decide mudar junto com ela. Escolher as palavras certas não é frescura, nem censura. É só uma tentativa, às vezes tímida, às vezes corajosa, de tornar o mundo um pouquinho mais justo.
