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Esperando o Segundo sol chegar, tenho dó dos que não contam nem cantam

Com todo respeito às escolhas musicais e políticas dos semelhantes, mas para mim está claro que a afeição a essas duas vertentes está vinculada ao perfil do ser humano como cidadão. Ou seja, entendo o mau gosto como um “bem” adquirido ao longo da vida. Tem gente que ama adorar enganadores, entre eles os políticos mentirosos e os cantores de playback, os que não cantam e nem contam. São aqueles que se utilizam das plataformas de computadores para “escrever” músicas e discursos recheados de clichês ultrapassados. A melodia é a mesma para qualquer tipo de letra estapafúrdia. A diferença é a ordem das notas. As dez primeiras composições da fornada começam com dó, ré mi, fá, sol, lá, si. Nas dez últimas, a ordem é invertida. Proporcionem mais atenção e perceberão que é como se ouvíssemos de trás para frente.

Corno sem amor, mulher alheia, desamor e cachaça são temas com a garantia de sucesso. Por analogia com uma fila do INSS, parece os políticos do século passado prometendo acabar com a seca do Nordeste e do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Pior eram os caras de pau que convenciam os eleitores com armação de óculos. As lentes eram entregues somente após as eleições e, claro, se o candidato fosse eleito. Graças a Deus, a política mudou para melhor. Faliu aquele postulante à Presidência da República que tira o coturno, esconde a baioneta, se paramenta com as camisas dos principais clubes de futebol, se enrola nas bandeiras das grandes escolas de samba e promete não mentir somente no dia 31 de fevereiro. O único compromisso que esse tipo de presidenciável não faz ao eleitor é o de títulos imediatos para as torcidas do Vasco da Gama e da Portela.

É a tal da consciência relativa, que precisa chegar à música com urgência. Lá atrás, quando eu ouvia que “Amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito”, jamais imaginei ouvir “Oh, Rita, volta desgramada/Volta que eu perdoo a facada/Volta que eu retiro a queixa”. Coitada da moça. Corneou o sujeito e ainda tem de aceitar ser “homenageada” publicamente com uma bosta dessa. A memória me leva às Paralelas e lembro de dois versos antológicos: “No Corcovado, quem abre os braços sou eu/Copacabana, esta semana o mar sou eu/Como é perversa a juventude do meu coração…”. Com muito pesar, percebo que agora é vez do “Segure o tchan/Amarre o tchan/Segure o tchan, tchan, tchan, tchan

De repente, começo a cantarolar silenciosamente “Em caras de presidente/Em grandes beijos de amor/Em dentes, pernas, bandeiras/Bomba e Brigitte Bardot…”. Também de repente ouço na vitrola anos 60 do vizinho algumas daquelas porcarias que, mesmo a gente se esforçando para esquecer, grudam na cabeça como chiclete: “Ai se eu te pego…”, “Caraca, muleke…”, “Lepo lepo…” e “Baile de favela…”, entre outras. Como gosto, política e religião são coisas interna corporis, esconjuro antecipadamente o cidadão, faço logo uma prece e rogo à Deus para que ele não toque “Caneta azul”, “Bang”, “Tá gostoso”, “Tchubaruba”, “Meteoro”, “k.O” e “Aquele 1%”. A verdade é que, após tantos anos de estudos, não consigo entender porque músicas ruins fazem tanto sucesso.

Mais uma vez sou obrigado a fazer a comparação com a política. Depois de décadas de sacanagens contra o povo, conheço deputados e senadores de cinco, sete e até dez mandatos. Felizmente, aquele último inquilino do Palácio do Planalto cantou para subir, fugiu no “Trem das onze” e desapareceu na poeira, embora seus seguidores do sertanejo universitário permaneçam como “Metamorfose ambulante”.

A maioria não concluiu o ginásio – talvez nem o primário -, mas se acha no direito de encher o saco dos “Brasileirinhos”, os de “Sangue latino”. É o “Epitáfio” de uma era que já teve “Garota de Ipanema” e “Chega de saudade”. Hoje, “Com mais de trinta”, só espero que “O Segundo sol” dos xumbregas esteja bem distante dos “Dois passos do paraíso”. Vamos riscar o “Chão de giz” e pedir ao “Carcará” para deixar a “Ovelha negra” no “Planeta água”. Como não há frase sem efeito, sugiro para um eventual isolamento ouvir Maysa (“Meu mundo caiu”) e Racionais MC’s (“Diário de um detento”). Como o tempo andou mexendo com a gente, a sugestão é extensiva a todos que têm mau gosto.

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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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