Notibras

ESTELIONATÁRIO DO AMOR

Maria de Guadalupe, hoje com sessenta e dois anos. Sempre fora acima do peso, não exageradamente, mas acima.

Com quatorze anos, pesava setenta e cinco quilos, com 1,70 de altura, então, na minha opinião, não era exageradamente fora do peso. Aliás, vivia fazendo dietas radicais, mas era do estilo físico dela mesma, desde bebê.

Sempre fora fofinha. Dos quatorze em diante, colocou na cabeça que não ia arrumar pretendente, pois todas as paixões eram platônicas. Nenhum menino a olhava e admirava, como olhavam e admiravam as outras amigas.

Maria de Guadalupe foi ficando preocupada. Quando ela tinha 18 anos, instalou-se um parquinho na cidade, bem em frente à sua casa. Um rapaz, que trabalhava como operador dos brinquedos, se encantou por Maria de Guadalupe.

Ela não perdeu a chance da primeira vez na vida ter o olhar de um homem, com segundas intenções, pra ela.

Começaram um namoro.

O Jorge não era nenhum galã de TV, pelo contrário, era pouquíssimo dotado de formosura.

— Guadalupe, você não acha que o Jorge é casado? — dizia-lhe o pai.

— Não, pai, se fosse, ele não me namoraria.

— Não? Tu és inocente, hein, minha filha? Nordestino casa cedo. Lá pelos 19 anos, eles já estão se casando.

Na época, o Jorge já tinha 34, mas parecia ter 50.

Era baixinho, bem mais baixo que Maria de Guadalupe e magrinho.

— Eu não autorizado você se casar. Você ainda é muito jovem, há de aparecer alguém daqui, que a gente conheça.

Os pais, antes, tinham muito medo de casar as filhas com homens de longe, porque eles poderiam leva-las para a terra deles e sumir. O Jorge era do Rio Grande do Norte.

A mãe, doida pra empurrar a filha, deu total apoio. Foi só enquanto corriam os papéis no cartório, coisa de um mês e meio, lá estava Maria de Guadalupe CASADA.

Pra ela, aquilo era um troféu. Que troféu!!!

Jorge, antes, bebia uma cervejinha aqui, outra ali, sumia dois dias, voltava dizendo que tinha pego um serviço que o dono exigia pressa, e ele tinha de trabalhar dia e noite, por isso não viera vê-la. Ela, coitada, acreditava. Mas Jorge era alcoolista.

Depois do casamento não teve como esconder. Ah! Logo nos primeiros dias, o parquinho foi embora, por falta de público, Jorge ficou e voltou para a profissão antiga dele, pedreiro, aliás, pedreiro de mão cheia, ótimo. Excelente, se não fosse o vício.

Maria de Guadalupe tentou esconder dos pais por muito tempo. Já tinha dois filhos, quando os pais descobriram o vício.

Maria de Guadalupe era enfermeira e, desde o casamento, trabalhava no maior hospital da cidade. Ganhava relativamente bem, então, não dependia do dinheiro de Jorge.

Ela comprou um lote, ele construiu uma bela casa. Mas ela fez questão de comprar um lote bem longe da casa dos pais.

Maria de Guadalupe comeu o pão que o diabo amassou com esse Jorge, até apanhar, apanhava. Todos davam conselho para separar, mas ela nunca quis. Até que não aguentou mais e pediu divórcio.

Com essas coisas todas, Maria de Guadalupe ficou muito doente. Aposentara por invalidez. Quando ela pediu o divórcio, os filhos já eram casados, ela, aposentada.

Venderam a casa, e ela comprou uma bem pequena e aplicou o restante do dinheiro.

Conheceu Wanderley. O HOMEM PERFEITO, sem nenhum defeito. Super-romântico, de Minas Gerais.

Viera aqui pra Goiás porque os pais faleceram e, segundo ele, filho único, não conseguiu ficar na fazenda. Vendera tudo, mas estava dependendo da Justiça liberar o dinheiro da fazenda, das casas na cidade. Muito dinheiro mesmo.

Conhecera Maria de Guadalupe por aplicativo de namoro. Wanderley, 50 anos, forte, vistoso, carinhoso, atencioso e tudo mais que Maria não conhecera.

Paixão avassaladora, estúpida até.

Wanderley arrumava um passeio diferente a cada final de semana e combinou com Guadalupe que iria anotando todos os gastos numa caderneta, que, assim que o dinheiro dele pudesse ser mexido, ele a pagaria com juros e eles se casariam.

Maria de Guadalupe sarou de todas as doenças, rejuvenesceu, ficou alegre, totalmente outra pessoa. Mas ela nunca contara que era ela quem pagava tudo.

Wanderley gostava só de coisa de primeira qualidade, é lógico, com o dinheiro dos outros, quem não gosta?

Há seis meses, Wanderley chegou para Maria e disse que teria de ir à Minas Gerais para resolver pendências do inventário, mas precisaria de 20 mil reais para as despesas de cartório. Maria de Guadalupe quis ir com Wanderley, mas ele foi contra veementemente.

Como ela teria de ficar em um hotel, o dia todo, enquanto ele corria de cartório em cartório. De jeito nenhum, que ele não iria deixá-la sozinha o dia todo.

Uns dois meses antes, Maria teria trocado o carro e Wanderley pediu pra passar o carro para o seu nome. Segundo ele, ficava constrangido em mostrar o documento em nome da mulher, em paradas da polícia.

Quando foram passar o carro novo para o nome dele, ela estranhou, pois o nome nos documentos era Vanderlei. Ela questionou, mas ele disse que escrevia o nome Wanderley porque a mãe queria assim e o pai o registrou errado.

Há seis meses, Wanderley pegou uma mala pequena, com poucas roupas, 20 mil na conta e mais algum para mantê-lo na viagem, deu um beijo em Maria de Guadalupe e até ontem. Quem sabe, ele volta hoje?

Ah! Tem uma coisa importante que esqueci de contar. Depois que Maria de Guadalupe descobriu o vício de Jorge, em uma dor de consciência alcoólica, Jorge confessou que era casado lá no Rio Grande do Norte, mas era casado só no padre. Como antes podia se casar só no religioso e que tinha deixado a mulher lá para arrumar emprego aqui em Brasília e voltar pra buscar a mulher e os 5 filhos, sendo o mais novo bebezinho. Nunca mais voltou.

Sair da versão mobile