Este pequeno texto sobreveio de uma necessidade de refletir de como a busca pelo “sucesso material” para a construção da felicidade pessoal se tornou, no meu ponto de vista, um caminho de vida estéril e gélido.
Muitas vezes me perguntei sobre o sentido da vida humana, inclusive já escrevi até alguns textos sobre isto. Mas, certo é que, me sinto, e não por raras vezes, sufocada pelos meus próprios pensamentos e sentimentos. Tento me mover, a todo instante, de mim mesma (HILST, 2022), mas, felizmente, não obtenho êxito, por mais que eu me esforce nesse sentido (abaixo explico o porquê do ‘felizmente’). É como se eu estivesse, constantemente, sendo atropelada por uma massa de memórias e sensações.
Diante das redes sociais, me deparo com um mundo que diz que sou o que tenho, e se o que tenho pode se perder, quem, então, sou eu? (FROMM, 2014, p. 115). Me sinto, literalmente, um peixe fora d’agua nesta civilização. Minha existência não é, em absoluto, estruturada em torno da propriedade (mas, confesso, que já foi um dia). De fato, o meu “eu” não pode ser reduzido pelo uso ou pela possível perda. Razão pela qual, meu pensamento, com frequência, se dirige a focar-me nas pessoas que amo (ainda que algumas tenham partido fisicamente desta existência). Muitas vezes, caminhando ou dirigindo, sinto o gosto do café com leite quentinho que a minha amada e falecida vovozinha Ruth me preparava todas as manhãs, bem como de sua canção diária para que eu o ingerisse: “café com leite é a nossa refeição, neres de arroz, necas de feijão”, o que, indubitavelmente, torna mais doce o meu dia. Da mesma forma, penso nos meus pais, no timbre afável de suas vozes, as recordações dos beijos “babados” na maçã do rosto(risos), os abraços acolhedores, orientações e até mesmo as reprimendas se tornam verdadeiras luzes no meu caminho (o qual, assim como de todos, é marcado por muitos percalços e dores). Sem contar na inundação de sentimentos que me atingem com os inúmeros registros mentais de momentos (inclusive até os mais triviais) com meus amados irmãos, sobrinhos, cunhados, primas, tias-avós, ‘filhos caninos’ e marido. Não há dúvida que eles reforçam o caminho da vida que, para mim, vale a pena ser vivida.
Durante a semana, sempre quando o meu exíguo tempo me permite (em razão do trabalho), almoço com os meus pais ou saboreio um bolinho de chuva feito pela minha querida tia-avó. Além disso, coloro o dia vendo, em tempo real, ainda que seja por uma tela de celular, meus irmãos e sobrinhos. Afora as risadas provenientes das descontrações com meus amigos na sala dos professores ou em restaurantes.
Não sei se estou conseguindo alcançá-lo, querido leitor, porém só vejo sentido na vida porque me é permitido experimentar – mediante o exercício da minha liberdade individual – o amor, na acepção mais ampla da palavra, açambarcando não apenas os familiares, mas, em sua maioria, qualquer um que cruze o meu caminho (independentemente da função social que exerça e de quanto capital possua em sua conta bancária). A vida, ao meu ver, se torna muito mais florida quando se é capaz de transcender em direção aos outros, distanciando-se do objetivo egoístico ( a qual entendo não ter significação alguma, já que toda riqueza se esvairá com a morte) de ostentar sob todas as formas poderio econômico e “sucesso material”.
O dinheiro não é mais o ídolo que governa a minha experiência corpórea, porque se assim o fosse, eu já teria, certamente, desistido da mesma e suplicado pela morte. A minha pesada e exaustiva rotina de trabalho necessária para conseguir viver dignamente não afasta a minha essência (quantas vezes me indaguei o sentido de toda esta jornada). Se sou o que sou, e não o que eu tenho, ninguém (nem mesmo os grandes grupos econômicos) pode ameaçar a minha identidade (FROMM, 2014, p. 116). Em outros termos, a ansiedade e insegurança, engendradas no perigo de se perder o que se tem (trabalho, bens, dinheiro) estão ausentes no modo do meu ser (FROMM, 2014, p. 116). Enfim, ao tentar me mover, a todo instante, de mim mesma (HILST, 2022), ou seja, de minhas lembranças e sentimentos de amor, felizmente, sou impedida, pois que são eles os únicos e legítimos combustíveis de minha energia vital, diante de um mundo extremamente materialista e destruidor da saúde mental humana, tal como é o nosso.
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BIBLIOGRAFIA: FROMM, Erich. Ter ou Ser? 4º ed. Rio de Janeiro; LTC, 2014. HILST, Hilda. Tu não te moves de ti. 1 º ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
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Sandra J. M. Villaverde (Instagram: @profsandra.villaverde) é professora universitária e advogada criminalista no Rio de Janeiro – RJ.
