Aproximava-se o carnaval de 1957. Rodrigo, 13 anos recém-completados, estava em uma cidadezinha do litoral fluminense, onde sua família tinha uma casa de veraneio. Ela gostava de carnaval, já havia decorado a letra das novas marchinhas que seriam cantadas nos clubes e nas ruas (naquele tempo, isso era obrigatório). Mas havia outros prazeres a desfrutar, a explorar, alguns deles pela primeira vez.
Caía a noite, Rodrigo estava em um parque ambulante montado na cidade por alguns dias. Estava sozinho – não por acaso, o avô o chamava de “lobo solitário” –, mas não ligava, divertia-se assim mesmo. Já fora no trem fantasma e outros brinquedos, chegara a vez da roda gigante.
Comprou o ingresso, já ia embarcar no carrinho, quando o vendedor de bilhetes perguntou:
– Meu jovem (Rodrigo detestava essa expressão, a falsa delicadeza dos adultos para com as crianças e adolescentes, não era mais criança, era um menino grande, um rapaz!), as duas mocinhas – e apontou para duas gurias junto à grade – compraram bilhetes mas só vão na próxima vez, vão ter de esperar. Você se importa de ir agora com elas?
O garoto as olhou bem. Viu duas meninas magricelas mas bonitinhas, que pareciam quase da sua idade. E, detalhe importante, percebeu peitinhos em formação, a infância tinha ficado para trás. Aquilo o decidiu.
– Podem vir – e deu um sorriso simpático.
As duas, que o olhavam de volta, deram um risinho típico de meninas adolescentes e embarcaram.
Enquanto a roda girava, apresentaram-se – uma era Suzana e a outra, Lúcia, preferia ser chamada de Lucinha –, falaram do carnaval que chegava, onde iriam pular, coisas assim. Foi então que Rodrigo atacou:
– Desculpem perguntar, vocês têm namorado?
As duas se entreolharam, deram aquele risinho e falaram juntas:
– Não…
– E já beijaram alguém? Na boca? – insistiu o moleque.
Novo risinho, dessa vez acompanhado por um certo rubor, e a mesma resposta:
– Não, nunca.
– Nem eu – confessou ele. E deu o bote. – Que tal se a gente aproveitasse que está aqui por sorte (ele queria dizer por um desígnio cósmico, um favor dos deuses, mas ainda não sabia usar essas expressões) e se beijasse? Só pra aprender… Depois, cada um segue seu caminho. Ou, se a gente gostar, vira namorado, vocês decidem.
– Vai namorar com as duas? – perguntou Suzana, a mais saidinha. Fechou os olhos e aproximou o rostinho, os lábios entreabertos, tremendo de expectativa.
Os dois se beijaram, de início meio sem jeito, sem saber como fazer. Mas os hormônios logo afloraram, línguas se tocaram, se enroscaram, foi uma delícia. -Ei, também quero! – protestou Lucinha.
Suzana e Rodrigo se separaram, rindo, e ele beijou a nova parceira. Foi bom, mas não tão gostoso. Ele decidiu ficar com Suzana; a amiga, promovida a rival, olhou os dois de cima abaixo, tendo na mirada uma pontinha de desprezo.
A referência a essa emoção quebrou o encanto. Rodrigo, na época um homem de 60 anos, deixou o mundo dos devaneios e foi arremessado nas sendas sombrias da memória. Quando estavam no banquinho da roda gigante e falavam do carnaval, ele não mudou o assunto para beijos, como deveria.
Em vez disso, decidiu se exibir.
– Decorei as letras de quase todas as composições!
– Até daquela que fala em Felinto, Pedro Salgado? Canta pra nós? – perguntou Lucinha.
Era o momento de falar que não, que tinham coisas mais divertidas e mais gostosas a fazer, trocar beijos, por exemplo, e retomar o script imaginado. Nada disso, todo pimpão, o otário de 13 anos informou que o título da marchinha era Evocação nº 1 e desandou a cantar. Letra longa, ele cantava mal pra dedéu, desafinava, quando terminou, as duas adolescentes (ou quase) bocejavam de tédio.
– Parabéns, sabe tudo de carnaval… – disse Lucinha.
Era uma frase cheia de sarcasmo. O imbecil não percebeu.
– Obrigado.
Ele tentou retomar o papo, não teve como, deram as últimas voltas em silêncio. A roda gigante parou, todos desceram, Suzana e Lucinha se despediram e se afastaram sem olhar para trás. Porém marcaram fundo sua memória, testemunhas de uma timidez mesclada a babaquice que o acompanharia pelo resto da vida, pelos séculos dos séculos.
