Notibras

FESTEJAR O FALECIMENTO

Lendo o texto do ilustre escritor Eduardo Martínez, publicado no dia 26 de novembro do ano em curso, Um caso de polícia na alta sociedade, no Quadradinho em Foco do Notibras, não pude deixar de me lembrar da Dona Jurema, minha vizinha.

Lógico que pedi permissão para contar esta história, e dona Jurema até ficou feliz em ser personagem de um texto publicado no Café Literário do Notibras.

Bom, vamos à história.

No texto do Eduardo Martínez, ele relata que a mulher do senhor Jairo pediu champanhe logo depois de algumas horas da prisão do marido. Naturalmente, as pessoas brindam com champanhe uma coisa boa, uma coisa que traz felicidade, e não teve como não me lembrar da dona Jurema porque esta me confessou que, no dia em que o marido morrera há uns dez anos, ela teve vontade de dar uma festa e soltar foguetes, ao invés de choros e velas no velório.

Ao primeiro impacto, as pessoas podem pensar que falta de amor essa dona Jurema tinha pelo marido, mas ela já tinha me dito inúmeras vezes que é mal interpretada.

Sempre me falou:

— Menina, (ela me chama de menina, pois sou da idade da primogênita dela), não sou bem interpretada, me chamam de insensível, mas ninguém conviveu com o Dorvalino para saber quem realmente ele era.

Ela sempre me contou, e eu já assisti a várias cenas do senhor Dorvalino também. Ele era do tempo em que amarrava cachorro com linguiça, o machismo era do tamanho do bigode, que mais parecia que tinha engolido um morcego velho de asas abertas. Digo morcego velho porque o bigode já era branco, e creio que um morcego velho tenha pelos brancos.

Dorvalino era deveras machista, chegava da fazenda aos sábados, sentava-se no sofá e já gritava:

— Jurema, venha tirar minhas botas.

Jurema tinha de deixar o que estava fazendo para atender o senhor. Tirava-lhe as botas, tendo náuseas porque parecia que tinha morcegos mortos, em decomposição, dentro das tais botas.

Era um verdadeiro senhor, fazendeiro, daqueles que não conheciam as palavrinhas mágicas: obrigado, por favor, desculpe-me etc. Aqui em Goiás, a gente costuma dizer que é uma pessoa que trata as outras com casca e tudo.

Jurema tinha de lhe fazer o prato e não tinha uma vez que ele não colocasse defeito na comida, ou estava salgada, ou estava sem sal, ou estava cozido demais ou de menos, ou fez muitos tipos de verduras ou fez poucos tipos. Elogio, ele nem deveria conhecer essa palavra. Sempre arrumava um defeito na comida, na casa, nos filhos, nas roupas. Só falava coisas negativas.

Ninguém via os dentes de Dorvalino, pois, além do mega bigode, não sorria.

Por fim, Dorvalino ficou doente. Ele ficou acamado uns dois anos, antes de falecer, sofrera um AVC. Imagine o que Jurema e os filhos sofreram nesde período?

Dorvalino já era impossível sadio, andando, dirigindo sua caminhonete C-10, imagine colado em uma cama, tendo de ter ajuda para sentar, para passar para cadeira de rodas? Todos sofriam muito.

Ele jogava prato de comida fora, sem dizer as necessidades fisiológicas que fazia na cama e o odor que tomava conta da casa. Só ouvindo Jurema contar e quem viu algumas cenas que sabe o motivo pelo qual Jurema quis dar uma festa no dia que ele partiu.

Às vezes, as pessoas julgam sem saber o que se passa nos bastidores. Fiquei a imaginar a alegria daquela mulher, do texto do Eduardo, pois o marido deveria ser um Dorvalino da vida. As duas comemoraram a paz.

Sair da versão mobile