O cara mudou de pousada e estava ali. Voltou da praia encapetado.
Sentou-se à mesa do pátio e buscou o isqueiro. Acendeu a vela e dedicou à santinha Aparecida que tinha na pequena capelinha no quintal.
Depois falou com a filha pelo WhatsApp. Ela estava com dengue, longe dali. Falou com irmão para pedir ajuda e só então abriu a preciosa lata de cerveja: a penúltima. Tomou três goles e sentiu frio. O outono chegara trazendo nova estação na enseada da Pinheira.
Pensou, pensou e lembrou-se do tempo e da composição de Caetano Veloso Oração Ao Tempo:
“És um senhor tão bonito/Quanto a cara do meu filho/Tempo, tempo, tempo, tempo/Vou te fazer um pedido/ Tempo, tempo, tempo, tempo.”
A vela continuava acesa, dançando na noite ainda sem vento, coisa rara na Pinheira.
O cara sentou-se tranquilo como há anos não experimentava. Segui absorto enviando mensagem pelo celular digitando com os dois polegares numa velocidade estonteante.
Lembrou-se de histórias e de tempos. Antigos amores, amizades distantes, saudade e solidão. E no tempo da divagação digital esqueceu-se da santa, do santuário, da vela e do vento que virou para Sul.
“Fogo, fogo, fogo na pousada!”
Horas depois, entre cinzas, bombeiros e sofrimento, o cara apenas explicou aos policiais:
— Peguei no sono… Lembro que acendi uma vela ali na capelinha da bonequinha Cida e continuei no celular. O resto nem vi… O vento virou de Sul. Que merda, né! E veja só: nem religioso eu sou. Fatalidades, senhor, fatalidades…
Neste momento, o celular toca e o cara atende e responde apenas:
“No momento não posso atender: fatalidades, fatalidades. Perdão!”
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Gilberto Motta é escritor, jornalista e vive na comunidade da Pinheira/Guarda do Embaú SC.
