O problema de Adilson eram os astros. Geminiano na última, vivia dividido em termos de formação, atividade profissional e, em especial, mulheres.
No colegial (antiga denominação do ensino médio), cursou dois anos de exatas – o curso científico – mas terminou mudando sem armas e sem bagagens para humanas, ou seja, pro curso clássico. Depois fez duas faculdades, de Direito e Economia, mas não terminou nenhuma; em seguida, descolou um empreguinho público que pagava mal, mas não exigia grande coisa, em termos de trabalho.
Quanto às mulheres, o dilaceramento manifestou-se desde a adolescência. Nos bailinhos, caía matando em cima de irmãs e melhores amigas. O que gerava crises de ciúmes, choros e puxões nos cabelos. Ele ficava sinceramente espantado. Não se considerava um conquistador, apenas não conseguia escolher entre duas princesas – que, por simples acaso, eram irmãs ou best friends.
Aos 17 anos, caiu a ficha: o que o atraía não era a beleza das vítimas, ou o nível de amassos que encaravam no namoro, mas o fato de serem ligadas entre si. Lembrando das aulas de química, matéria que o fizera sofrer no colegial, recorreu ao conceito de valência – a quantidade de ligações que um átomo deve realizar para ficar estáve. Sem dúvida, seu coração era divalente, que nem o oxigênio, precisava de duas ligações (é verdade que o ozônio mobiliza três átomos de oxigênio para vir ao mundo, saudar o público e pedir passagem, mas três é demais pra qualquer geminiano, dois tá de bom tamanho).
“Ah, que alívio”, disse para si mesmo. ”Cheguei a pensar que era um fiodeumaégua que tinha prazer em acabar com longas amizades e laços fraternos, mas é só uma questão de química”. Compôs então uma modinha, inspirada em Juca Chaves (é, na adolescência de Adilson ele estava na moda):
“Meu amor é divalente/Não consente o coração/ Que eu tenha um amor somente/ Acha francamente/ Que isso é ingratidão”. A letra ia em frente, nessa linha, e terminava com: “Preciso de um novo amor/Ah, preciso de outra menina”.
Mentira dele, precisava de outras meninas. No plural. Dada tamanha divalência, não chega a espantar que Adilson permanecesse solteiro, mas namorando adoidado. O tempo passou, veio a pandemia, e Adilson, já na faixa dos 70 anos, sentiu-se feliz como um pinto no lixo, enclausurado, mas xavecando pela internet. Sempre pintavam mulheres desejosas de fazer sexo virtual com um funcionário público aposentado do Rio de Janeiro; para ele, que não estava mais com aquela bola toda no rala e rola de verdade, era melhor que a encomenda. O chato era que as feras não se conheciam nem eram irmãs, mas ele escolhia sempre duas; era o que bastava para seu amor divalente.
Em 2021, quando brincava online com uma catarinense e uma pernambucana, ambas na faixa dos 60, Adilson teve um infarto fulminante e bateu as botas. Seu geminianismo o impediu de escolher entre a companhia dos anjinhos e dos demoninhos; também não se animou a ir para um plano superior, onde provavelmente estavam seus pais kardecistas. Foi ficando por ali, pelo menos por um tempo…ou seja, virou fantasma.
“Legal, vou poder visitar minhas coroas divalentes”, pensou o recém-afantasmado, que, além de respeitar o isolamento social, não tinha dinheiro para longas viagens de avião. Voou direto para o Recife – e encontrou sua diva nordestina fazendo sexo online com alguém que ela chamava de “meu bagual dos pampas”. Com os chifres doendo na testa de ectoplasma, voou para Floripa – e se deparou com a diva sulista virtualmente enroscada com alguém que exigia ser chamado de Amante pai d’égua.
“Um gaúcho e um paraense”, pensou o vestibulando de abantesma.
“As duas me substituíram bem rápido”, concluiu, desapontado.
O signo de Gêmeos não é dos mais pacientes do zodíaco. Adilson nem tentou aprender a dominar movimentos fantasmais, que talvez – havia lido a respeito – lhe dessem a oportunidade de participar como coadjuvante da festinha. Deu um suspiro de resignação e seguiu para a fantasmalândia, onde ficam as almas penadas quando não estão assombrando os viventes.
Hoje, ele não se encontra mais ali: encarou o plano superior, não é mais fantasma e sim um espírito em evolução, que tem o projeto de reencarnar.
“Mas, por favor, não como geminiano!”, suplica aos céus.
