Ela cantava o tango como nenhuma, com voz de cotovia, com voz de sombra, com voz de alcova; alguns chegavam a dizer, meio brincando, meio a sério, que tinha uma tristeza de bandoneón. Seu nome era Malena.
Não era bonita, grandes intérpretes raramente são. Edith Piaf portenha, havia vivido, e perdido, um grande amor, que só mencionava quando o álcool fazia ruir suas defesas. Talvez fosse essa a origem de sua tristeza, ou quem sabe a infância pobre. Pouco importava. A melancolia cortava os ares nas asas de uma voz magnífica, comovente.
Além de amar o tango, a cantante amava também os homens, e se esforçava para seduzi-los. Ao final da apresentação no cabaré, aproximava-se do guapo que a havia interessado – por uma noite, não mais – e propunha, baixinho:
– Quer que eu cante só pra você? Vamos pro hotel aqui ao lado, vida!
No quarto, abria o jogo:
– Amor, um tango por orgasmo. É uma troca justa, não é? Mas preciso chegar ao clímax antes, faz bem pra voz – e ria, sedutora.
Cumpria o prometido, o tom ainda mais aveludado, com um ronronar de gata que acabou de comer um canário.
Os hóspedes dos quartos vizinhos acompanhavam a vida sexual de Malena pelo número de canções. Às vezes os tangos encadeavam-se um após outro, e eles comentavam, sorrindo:
– Orgasmos múltiplos… Bom pra ela!
Quem não achava a menor graça era Rodrigo, que ia todas noites ouvir Malena. Ela ficava sensibilizada com tamanha devoção, mas ele era gordinho, careca… jamais lhe propôs o escambo de tangos por uma noite de loucuras.
Certa noite, depois de a tanguera partir para seu recital particular com um gigolô de uns 23 anos, Rodrigo não aguentou: seguiu os dois, invadiu o quarto antes da transa e puxou um punhal. O carinha correu ao ver a lâmina; Malena também tentou fugir, mas ele a segurou pelos cabelos e cortou-lhe o pescoço.
Não para matá-la, o golpe desviou-se habilmente da carótida. Mas o suficiente para cortar-lhe as cordas vocais e calar para sempre os trinados de cotovia que o enlouqueciam.
