O capitalismo me obriga a trabalhar. Acordar cedo, responder e-mails, sorrir comedidamente em reuniões do Google meet, fingir que amo segunda-feira. Mas a verdade é que nasci pra outra coisa. Nasci pra andar por aí, meio sem rumo, sentindo o cheiro do pão quentinho que sai da padaria às quatro da tarde. Nasci pra me perder em ruelas, conversar com um senhor aleatório na praça sobre como “antigamente as coisas eram melhores” e fingir surpresa com a revelação.
Gosto mesmo é de viver devagar. De sentir o sol batendo na cara enquanto ando de bicicleta sem capacete, sem pressa, com vento no rosto e pensamentos soltos. De correr na calçada como se estivesse fugindo do relógio, não do sedentarismo. Gosto de ler um livro no meio da tarde, com o café esfriando ao lado. E reclamar, sim, porque reclamar é um ato de convivência: do frio que congela os ossos ou do calor que derrete até a dignidade. Tudo isso na fila da padaria, com as mãos suadas esperando a minha vez de ser atendida.
Não entendo quem diz que não se aposenta porque “não saberia o que fazer com tanto tempo livre”. Pois eu sei exatamente o que fazer: tudo. E nada. Tudo aquilo que o expediente de oito horas me rouba. Nada daquilo que envolve planilhas, metas ou aquela expressão horrorosa: “entregar resultado”. Eu quero entregar poesia. Quero entregar bom-dia pro porteiro, conversa fiada pro motorista do ônibus, sorriso pra criança que me ofereceu pedra achando que era presente.
O capitalismo, meu bem, me paga o aluguel. Mas quem me alimenta a alma são as andanças. As tardes sem compromisso. As mãos sujas de fruta mordida direto do pé. O susto bom de uma chuva inesperada no caminho de casa. Se um dia eu me aposentar, não venham me procurar em escritórios ou palestras motivacionais. Me procurem na praça, perto do chafariz, lendo um livro com o marcador esquecido no bolso da calça e uma fatia de bolo no guardanapo.
Aí sim, estarei trabalhando… mas na minha verdadeira vocação: viver.
