Notibras

Homem imaginou que estava com sorte diante de mulher exuberante

“Por exemplo, no dia em que a senhora foi jantar com a sra. de Saint-Euverte, antes de ir à casa da princesa de Guermantes, seu vestido
era todo vermelho, os sapatos vermelhos, a senhora estava fabulosa, lembrava uma grande flor de sangue, um rubi em chamas […]”.
Marcel Proust, A prisioneira, livro 5 de Em busca do tempo perdido.

O romancista dirige essas palavras à duquesa de Guermantes, prima da princesa. Em seguida, na trama, há um duplo espanto: o da duquesa, por ele, tão jovem ainda, se lembrar daquela toilette de cetim vermelho; e do autor, por ela recordar apenas do vestido – e isso depois de ter a memória estimulada por ele –, “e tivesse esquecido certa coisa que todavia, como se vai ver, devia ter para ela grande importância”.

Qual era essa coisa? Vocês terão de ler o romance para descobrir, escrevo contos, não spoilers ou uma resenha de ‘Em busca do tempo
perdido’. E mais, peço permissão para conduzi-los a um universo paralelo, em que a duquesa e Marcel continuam a ser os protagonistas –
mas o desenrolar da trama e, em especial, o desfecho são bem diferentes.

Então vamos lá.

…..

Depois que o jovem lhe dirigiu tais palavras, a duquesa olhou para ele e sorriu, sem acreditar no que ouvia, achando-o meio louco, mas, no fundo, lisonjeada. É sempre delicioso ouvir elogios, em especial vindos de um jovem literato em ascensão, com artigos publicados nos jornais parisienses.

– Nunca imaginei que pudesse lembrar um rubi em chamas ou uma flor de sangue – disse-lhe com ar carinhoso. Em seguida, passando sedutoramente a língua nos lábios, murmurou:

– Fique depois que os demais convidados se retirem, terá uma surpresa muito agradável.

– E…e o du-duque? – balbuciou o jovem.

– Está caçando. E se voltar esta noite, vai direto para a casa de uma de suas amantes – respondeu a duquesa, a voz sempre baixa. E prometeu-lhe:

– Não te preocupes, hoje a noite é nossa!

O jovem mal conseguiu acreditar na sua boa sorte. Fazia tempo que amava platonicamente a duquesa de Guermantes. Hoje, porém, tudo indicava que os seus sonhos mais delirantes iriam se concretizar.

Depois que todos os convivas se retiraram, a duquesa dispensou as criadas de quarto e conduziu Marcel à antessala de seus aposentos. Vinte minutos depois, pediu-lhe que entrasse. Estava no meio do quarto, quase nua, apenas com um robe, os lindos seios visíveis por entre as dobras do tecido macio. E na cama, à espera, estava o vestido de cetim vermelho.

A mulher deixou cair o robe e dirigiu-se à cama. Nem tentou vestir-se com a toilette de grande soirée, de baile de gala, jamais conseguiria
fazê-lo sem a ajuda de suas serviçais. Deitou-se sobre o tecido vermelho, nua, os seios e as longas pernas expostos, o ventre pulsando,
e murmurou:

– Vem, meu bichinho.

O literato lançou-se em seus braços.

Ela começou a beijá-lo, de início carinhosamente, depois com sofreguidão, e falou.

-Somente um homem com tua sensibilidade conseguiria perceber minha dimensão rubi e minha dimensão flor. De fato, são os aspectos mineral e vegetal da minha essência – explicou, enquanto o despia. – Mas há também uma dimensão animal, que vais conhecer agora.

Guiou-o na penetração. Ao mesmo tempo, começou a transformar-se em uma aranha de um negro reluzente, em cujo abdome se destacava uma área de um vermelho intenso, em forma de ampulheta.

A duquesa-aranha mirou-o com seus oito olhos e falou, numa voz ainda humana:

– Sabe, pensei em poupar-te, em te mostrar apenas o vestido, para que prossigas em tua obra literária. Mas nós, viúvas-negras…

Deu um risinho e apressou os movimentos dos quadris, fazendo seu parceiro quase morrer de prazer. A morte real, porém, veio após o
orgasmo, pois as aranhas viúvas-negras são chamadas assim porque devoram o macho após a cópula.

Marcel morreu feliz, sem dar a mínima para o fato de, nesse universo paralelo, seu monumental romance jamais ter sido escrito.

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