Enquanto o Distrito Federal patina em filas de hospitais, ônibus sucateados, escolas sem professores e ruas sem segurança, o governo local decidiu investir tempo e tinta de caneta na criação de uma data simbólica: o “Dia da Memória das Vítimas do Comunismo”. A lei, sancionada recentemente, mais parece uma tentativa de acender debates ultrapassados do que de enfrentar os dramas que sufocam o cotidiano da população.
O texto, de inspiração ideológica evidente, foi aprovado pela Câmara Legislativa e chancelado pelo governador. Em tese, homenagearia vítimas de regimes autoritários. Na prática, ressuscita fantasmas de um passado importado de outros países, sem qualquer vínculo com a realidade brasiliense.
Ao comentar o tema, o Observatório Social de Brasília (OSBrasília) — entidade que fiscaliza a transparência e o uso responsável dos recursos públicos — manifestou “estranheza” diante da decisão. Segundo Welder Rodrigues Lima e Onésimo Staffuzza, respectivamente presidente e conselheiro da instituição, a lei se afasta do interesse público e reforça a polarização, desviando o foco dos problemas que exigem respostas concretas do poder público.
E não faltam urgências: hospitais superlotados, transporte precário, o crescimento da população em situação de rua e o aumento da violência urbana. Cada um desses temas mereceria uma semana inteira de debates sérios no plenário da CLDF. Mas o que se vê é a transformação do Legislativo em um laboratório de simbolismos vazios, onde se fabrica ideologia em vez de políticas públicas.
A própria justificativa da nova lei é um sintoma dessa inversão de prioridades. Ampara-se em fatos ocorridos em outras nações, como se Brasília vivesse à sombra de inimigos imaginários, e não à mercê da ineficiência do Estado. Se o objetivo fosse realmente resgatar a memória de vítimas de regimes autoritários, bastaria olhar para o próprio país — e lembrar o que foi a ditadura militar, as invasões à UnB, as torturas, os desaparecimentos.
Mas não. O que se pretende é rotular, dividir, carimbar o adversário ideológico — mesmo que isso custe a coerência e a verdade histórica.
Em seu posicionamento, o Observatório Social de Brasília lembra que a Constituição Federal define como valores supremos uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. A nova lei, contudo, parece zombar desses princípios. É o tipo de medida que faz barulho, mas não resolve nada — um ruído que distrai, enquanto os problemas reais continuam crescendo nas esquinas da capital.
No fim, fica a impressão de que Brasília não precisa de mais um “dia” para lembrar vítimas de ideologias. Precisa, isso sim, de um governo e de um Legislativo que parem de fabricar fantasmas e comecem a encarar a realidade.
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Marta Nobre é Editora Executiva de Notibras
