Notibras

Joaquim e o diário

Mal começou a escrever as primeiras palavras, sentiu necessidade de anotar todos os acontecimentos que julgava merecedores de memória. O primeiro palito de picolé premiado, sabor chocolate, a troca de olhares com a professora de óculos ovalados, que lhe remontavam aos de uma atriz, cujo nome ainda não conseguia pronunciar corretamente. Não importava, já que o que valia de verdade era escrever.

De tantas folhas soltas, todas com garranchos ininteligíveis, o ainda pequeno Joaquim, todavia agora mais letrado, ouviu falar, pela primeira vez, em diário. Curioso que era, e determinado ainda mais, decidiu ter uma conversa seriíssima com o avô.

De tão empenhado na empreitada, tratou de trajar a melhor vestimenta, já que a situação lhe pareceu um tanto dramática. De camisa de algodão com bolinhas coloridas, short azul, meias brancas e um par de Conga novinho, Joaquim se sentiu apresentável para tamanha missão.

O garoto, no entanto, carregava a dúvida se o parente saberia o que era um diário. Confabulou com seus botões durante uma manhã inteirinha até que, finalmente, perguntou para o avô se ele disporia de alguns minutos. O velho, obviamente, assentiu.

— Claro que sei o que é um diário, Joaquim.

— Então, será que o senhor poderia me dar um? É que preciso de um pra escrever.

— Mas isso é coisa de menina, Joaquim.

— Escrever?

— Diário.

— Escrever pode?

— Pode.

— Num diário?

— Num caderno!

— E o senhor me dá um?

— Um caderno?

— Sim.

— Claro que dou, Joaquim.

A criança agradeceu ao avô e, já na porta, virou-se e, com um sorriso maroto, disse:

— Vovô, mas quero um caderno diário, hein?!

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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).

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