Mestre Caymmi ensinou urbi et orbi: “Peguei um ita no Norte/Pra vim pro Rio morar/Adeus meu pai minha mãe/Adeus Belém do Pará”.
E eles vieram. Tantos, que a expressão “exército do Pará” passou a designar a migração de provincianos de todos os quadrantes para a capital federal, na ocasião a síntese inigualável, sem rivais, do Sul maravilha. Informa Wilson Figueiredo, na resenha de O santo sujo, biografia de Jayme Ovalle escrita por Humberto Werneck, que o paraense Ovalle, “num dos seus improvisos iluminados, criou o exército do Pará, para prestação do serviço literário obrigatório”.
Nortista era pra chegar e vencer, não para pastar na mediocridade. “Não havia retorno triunfal para quem não se consagrasse em alguma especialidade, fosse sucesso pessoal, glória literária ou poder político. (…) Quem vinha do Norte para o Sul passava a impressão de aceitar a obrigação de fazer sucesso ou desaparecer para sempre”.
Só que o tempo passa, o tempo voa, a poupança Bamerindus não continua numa boa, pois o banco faliu. Não há mais Itas para trazer a tigrada do Norte para o Sul. Creio que não há mais exército do Pará (talvez haja, mas de fileiras dizimadas). Ao que tudo indica, a prestação do serviço literário obrigatório ocorre atualmente nas hostes do exército do Maranhão.
Os dados do Notibras não me deixam mentir: pululam (adoro essa expressão) os vestibulandos de literatos que têm origens familiares na terra chilada de Zeca Baleiro, do tambor de crioula e do reggae tupiniquim. Todos maranhenses, ou quase. A começar por Emanuelle Nascimento, cuja entrevista a Cassiano Condé, em O lado B da literatura, me inspirou este texto. Segue-se Dona Irene, esposa do contista-mor Eduardo Martínez, que nasceu no Piauí (não por culpa dela, pobrezinha), depois se fixou com armas e bagagens em Caxias, MA, e hoje está em Brasília. E tem o Cadu Matos (moi), semimaranhense: meu pai nasceu em Caxias. Também súdito do duque.
Um recruta que não está no Notibras, nem sei se faz força pra entrar, mas envia seus textos para grupos literários a mancheias é o Raimundo Nonato Rodrigues. Tive o prazer de fazer a edição/revisão de seu livro Vila Embratel/Praça Sete Palmeiras e por apaixonei por aqueles personagens de nomes e apelidos estranhos e fascinantes, gente pobre, a grande maioria bêbada ou chapada, mas que faz seus corres com um sorriso no rosto e revela uma delicadeza encantadora no trato. Raimundo é bem ambicioso, sonha com o prêmio Nobel de Literatura.
Enquanto seu lobo não vem, inspirou-me dois contos, ambos publicados pelo Notibras: Miguel e Magrão e Nobel de literatura; O exército do Maranhão cerra fileiras, avança em ordem unida e sonha em trocar a província literária (hoje diversificada e sofisticada pouquinha coisa pelas redes sociais) pela condição de escritor federal. Para então – glória suprema, segundo Drummond de Andrade – poder tirar, sem constrangimento algum, ouro do nariz.
