Lindalva estava com fome. Isso era muito perigoso.
Estava em jejum por ordens médicas, ia fazer um exame na manhã seguinte. O problema é que tinha um apetite voraz, estava começando a achar apetitoso o pé da mesa.
Ela virava bicho quando não se alimentava. E virou.
Flexionou os músculos sob o pelo luzidio, agitou a cauda e emitiu um som entre um gemido e um miado. Depois, mobilizando o que lhe restava de voz humana, chamou:
– Filhinha!
A pobre entrou no quarto. – Que foi, mamãe?
Foram suas últimas palavras. Lindalva, a fera faminta, a abateu, com uma mordida na nuca. Começou a devorá-la pela barriga, deliciando-se com os intestinos quentinhos.
Horas depois, saciada – pelo menos até o dia seguinte –, voltou à forma humana.
– Minha querida filhinha – disse para si mesma. – Eu gostava tanto dela… – suspirou e deu de ombros. – Mas a vida é assim. Culpa do médico, que me deixou sem comer!
Retomou as atividades habituais de Lindalva, a alimentada. Havia deliciosas crônicas familiares a escrever e postar, delineadas em sua cabeça. E uma linda tapeçaria quase pronta, umas horinhas de trabalho e…voilà.
Ligou para uma agência de empregos e pediu uma faxineira. Não tinha mais filha, o filho nem sempre a visitava, precisava ter alguém em casa para uma emergência.
