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‘Linha dura’ joga sua lupa na sujeira de deputados distritais

Há um cheiro de tinta fresca e papel-moeda no ar. É o perfume das emendas, aquele pólen político que espalha vida pelos cofres de ONGs recém-nascidas e projetos sociais de utilidade duvidosa. Em Brasília, a generosidade dos deputados distritais virou tema de investigação. Como se diz no jargão das repartições, há “indícios suficientes de materialidade”. Traduzindo: o santo não está batendo com o milagre.

De um lado, os doutores da moralidade — Polícia Federal, Ministério Público, Controladoria e afins — afiam as garras e montam suas planilhas de suspeita. Do outro, os parlamentares, que até ontem discursavam sobre ética e transparência, agora trocam o verbo pelo silêncio e o sorriso pela tensão. O feitiço das emendas virou maldição de gabinete. Um suposto suspeito é o presidente da Casa, Wellington Luiz (MDB).

Não é de hoje que o dinheiro público some em causas tão nobres quanto invisíveis. O que há de novo é a sofisticação do roteiro. São as verbas que pingam em ONGs que brotam como cogumelos após a chuva, oferecem cursos, campeonatos e projetos de salvação social, mas deixam rastros de transferências curiosas, notas genéricas e relatórios de fachada. Em tempos digitais, dizem os investigadores, até a velha maracutaia aprendeu a jogar online.

Enquanto isso, os fiscais da lei se movem com discrição cirúrgica. Há mandados, buscas, apreensões, bloqueios e, sobretudo, um recado silencioso, de a farra das emendas virou caso de polícia. E, ao que tudo indica, a contabilidade da moral está prestes a ser auditada linha por linha.

Na Câmara Legislativa, o clima é de missa de sétimo dia. Alguns gabinetes já ensaiam defesas preventivas, outros juram inocência em tom de catecismo. O certo é que a “linha dura” resolveu pôr ordem na casa. Não será surpresa se talvez descubra que, sob a fachada das boas intenções, há uma indústria de caridade remunerada.

Em Brasília, onde todo escândalo começa com uma rubrica orçamentária, o novo milagre da multiplicação não é mais dos pães, mas das ONGs. E, no altar das emendas, a fé dos justos está sendo testada a cada extrato bancário.

No fundo, tudo isso revela uma velha ironia da política, ou seja, quanto mais se fala em transparência, mais se escurecem as gavetas. É que o poder, em qualquer escala, vive de luz indireta, do tipo daquela que ilumina a fachada e deixa o porão na penumbra.

Os mesmos que juram servir ao povo acabam servindo-se dele, com a habilidade de quem aprende cedo a arte do desvio elegante. E o eleitor, paciente e cansado, já nem se espanta. Aprende a votar com um olho na urna e o outro na notícia seguinte.

A “linha dura” — esse coro de fiscais, auditores e investigadores — cumpre, por ora, o papel de consciência substituta. Mas há algo de melancólico nisso. Quando a virtude precisa de mandado judicial, é sinal de que o caráter já saiu de licença.

É sabido que na capital da República, particularmente no ‘Puxadinho do Buriti’, a moral pública é como o Lago Paranoá em época de estiagem. Algo do tipo espelho d’água bonito de longe, mas raso de perto. O tempo entregue às investigações dirá quantos afundam tentando atravessar as maracutaias com as botas da inocência.

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José Seabra, diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras, está de passagem por Brasília

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