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Lotear cargo público faz do servidor um agente partidário

De governantes e manifestantes, frequentemente escutamos que se deve combater a “cultura da corrupção”. Ou seja, trata-se de um valor que seria compartilhado por todos nós (cultura) e exercido via “pequenas corrupções”, como sonegação de impostos ou uso de carteira estudantil falsa. Há dois problemas fundamentais nessa percepção.

Em primeiro lugar, ao confundir a noção de corrupção (em suma, perversão do bem público para fins privados) com comportamentos individuais acaba-se por diluir possíveis soluções em coisas vagas como “melhorar a educação” ou “promover campanhas de conscientização”.

O segundo problema, decorrente desse primeiro, é que se deixam de lado as causas concretas da corrupção – que devem ser atacadas de forma preventiva, não apenas a posteriori (punitiva). E elas estão, em geral, nas instituições, não nos indivíduos. Expliquemos.

O que o escândalo dos Correios (que deu origem ao do mensalão), em 2005, e o da Petrobras, em 2014, têm fundamentalmente em comum? Ambos tratam de esquemas operados por funcionários públicos de carreira indicados a cargo de comando por direções partidárias.

O problema da existência desses esquemas não é do seu vizinho que rouba TV a cabo ou do seu cunhado que subornou o policial para não levar multa – embora trate-se de condutas condenáveis moral e legalmente, claro –; tampouco a culpa é apenas dos funcionários em questão ou dos partidos políticos que eles representam – a cuja boa-fé a administração pública não pode ficar exposta.

A principal razão pela qual esses esquemas existem e se repetem está no uso que governantes fazem da liberdade de nomeação que têm para distribuir cargos administrativos entre partidos aliados e, assim, assegurar o seu apoio nas casas legislativas.

O livre poder de nomeação permite ao presidente da República – e ao governador do Estado e ao prefeito até do menor município do país – a negociar apoios parlamentares com os partidos políticos. O mote é: “você me apoia e, em troca, fica com tais diretorias”. O que os beneficiários fazem nesses cargos foi exibido claramente tanto no caso dos Correios como agora no caso da Petrobras: negócios, movidos a propinas, superfaturamentos, contribuições eleitorais irregulares e direcionamento de licitações.

Além de tornar praticamente impossível aperfeiçoar a gestão do Estado, pois transforma agentes públicos em agentes partidários, o mecanismo contribui para o desgaste da representação político-partidária. Por um lado, porque os partidos, em vez de perseguirem os seus programas, são induzidos a buscar cargos na administração. Por outro, porque a sucessão de inevitáveis escândalos ajuda a reduzir a imagem da categoria política a pó.

As medidas anticorrupção propostas pela presidente Dilma Rousseff na última quarta-feira (18) são necessárias, porém insuficientes. O país já avançou bastante no que tange o estabelecimento de medidas punitivas, como as ora propostas pelo governo federal, mas ainda falta uma visão estratégica – o que passa necessariamente por atacar o problema em suas causas, com prevenção e fiscalização.

Se a presidente Dilma Rousseff quiser de fato atacar o problema da corrupção na administração pública, uma das primeiras medidas deve ser trabalhar pela modificação da Constituição no seu Art. 37, inciso V, de modo a definir uma limitação ao poder de nomear. Em seguida, negociar com a sua base aliada a diminuição drástica do loteamento de estatais, ministérios, autarquias e demais órgãos da administração pública federal.

Ou seja, cortar na carne. O resto é discurso.

Natália Paiva

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