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Manual Prático de Vizinhança, com edição da minha vida

Ao longo da vida, já mudei tanto de endereço que meu CEP devia vir com rodinhas. E nessa de embalar caixas, decorar paredes e aprender rotas novas até o supermercado, fui acumulando algo mais valioso que pontos no programa de milhagem: experiência de convivência com os mais variados tipos de vizinhos.

Tem o vizinho-CSI, aquele que passa pela sua porta devagar, com o pescoço esticado pra dentro da sua janela, como quem tá prestes a escrever um relatório completo sobre o seu estado civil, o tipo de comida que você jantou e se sua planta tá bem regada.

Tem o torcedor-relâmpago, que grita “GOOOOOL” antes de mim, porque a minha TV tem delay e a dele não. Toda vez que ele vibra, eu já sei que o Palmeiras marcou. Mas não sei ainda quem foi, como foi e se foi anulado pelo VAR. O jogo acaba pra ele antes de começar pra mim.

Tem o DJ do apocalipse, que resolve fazer festa terça-feira, meia-noite, com um repertório que mistura funk, axé, tecnobrega e gritos de “só mais uma!” enquanto a vizinhança inteira tenta entender se é um evento social ou um ritual de invocação.

Tem o vizinho-fantasma, aquele que vive no mesmo andar há três anos, mas evita a qualquer custo cruzar com você no elevador. Já aconteceu de eu apertar o botão e ele, ao me ver chegando, fingir que esqueceu algo e sair como se tivesse deixado o fogão ligado. Gente que tem medo de interação social e talvez de mim. Confesso que esse é o meu tipo favorito.

Tem também o vizinho-condomínio-NETFLIX, que você nunca viu na vida real, mas conhece os dramas dele todinhos pelo grupo de WhatsApp do prédio. Já sabe que ele reclama da síndica, dos barulhos, do lixo reciclável e da existência de humanos.

E o vizinho influencer de WhatsApp, aquele que todo dia manda “bom dia abençoado grupo” com figurinha piscando, gif de flor girando e versículo bíblico, mas que passa por você no hall e nem olha na sua cara.

A essa altura, comecei a pensar… mas e eu? Que tipo de vizinha eu sou?

Será que sou a vizinha que canta no chuveiro em volume suficiente pra promover um festival de MPB no sexto andar?

Será que sou a vizinha que ri alto vendo comédia no sofá e esquece que o apartamento não tem acústica de cinema?

Será que sou a vizinha simpática que dá bom dia pra todo mundo no elevador… mesmo quando ninguém responde?

Ou será que sou a vizinha que julga mentalmente todos os outros vizinhos enquanto escreve textos como este?

Enfim… se você for meu vizinho, saiba que estou tentando. Não prometo silêncio, nem pontualidade pra pagar o condomínio. Mas prometo: se um dia faltar açúcar, pode bater na minha porta. Só não repara na bagunça. E na janela aberta. E na música tocando. E no grito de gol com delay.

É a vida. É a vizinhança. É o Brasil.

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