Marinaldo, escrivão de polícia há pouco tempo, andava ressabiado com a profissão, apesar da benevolência do Gilmarildo, antigo no cargo, que não negava esclarecimentos pertinentes a qualquer dúvida do novato. E, entre apreensões, devoluções, emissões de documentos de todos os tipos, havia também os depoimentos que o rapazola precisava colher diariamente, fossem de vítimas, fossem de testemunhas, fossem de supostos autores.
Tranquilidade, na verdade, não era algo que o jovem estava acostumado desde que largara seu emprego de pescador de lambari, lá no interior da Bahia, para tomar posse na polícia do Distrito Federal. Seja como for, a remuneração lhe proporcionava mais conforto, sem mencionar que, somente agora, Anabel, a namorada de mais de década, finalmente havia aceitado juntar os panos com o amado. Pois é, desde o início do romance, o sujeito ouvira da mulher: “Marinaldo, quem casa quer casa!”
Feliz no casamento, Marinaldo acordava revigorado pelas noites de luxúria cada vez mais animadas. Entretanto, precisava encarar a realidade e, quando dava a hora, lá ia o gajo para mais um dia de labuta na delegacia. Mal entrava, era cumprimentado pelos agentes do plantão, Ricky Ricardo, Evelina, Pedrito e Jean Paul, enquanto o sempre mal-humarado Santana fazia questão de lhe mostrar toda a sua insatisfação e, sem qualquer cerimônia, fechava a cara.
Já devidamente instalado em sua sala ao lado do Gilmarildo, Marinaldo desabafava.
— Gilmarildo, acho que o Santana não gosta de mim.
— Que novidade!
— Por quê? Você também não gosta de mim?
— E quem não gosta de você, meu amigo?
— Ué, o Santana!
— Aquele ali não gosta nem da própria mãe.
— Sério?
— Seriíssimo!
Por azar, aquele não parecia ser o dia de sorte do Marinaldo. É que o Santana, justamente seu desafeto, foi incumbido de levar um suspeito de inúmeros furtos em farmácias na região. Se esse fosse o caso, até que o escrivão encararia de boa. Entretanto, para seu desespero, o depoente, de nome Jesse, começou a falar em inglês. Para piorar de vez a situação, tirando ‘I love you‘ e ‘The book is on the table‘, o baiano passava longe da língua estrangeira.
— Seu Jesse, o senhor se chama Jesse por causa do famoso bandido Jesse James?
— What? I don’t understand you.
— Seu Jesse, mas o senhor não fala nadica de nada da minha língua?
— What? Please, only in English.
Aquele imbróglio poderia durar todo o dia, caso o perspicaz Gilmarildo, conhecedor de todos os sotaques nacionais, percebeu o característico jeito dos naturais do belo estado do Maranhão pronunciar certas sílabas. Aliás, de tão profundo especialista, arriscou sem medo de errar.
— Seu Jesse, sabia que conheço a sua cidade? E sabia mais! Quando me aposentar, quero ir morar em Carolina.
— Tedoidé? Pois também quero!
Marinaldo, boquiaberto que ficou, não pôde acreditar naquela revelação. Então, o tal Jesse não era gringo coisa nenhuma, oxente! Salvo pelo gongo, conseguiu fazer a oitiva e, apesar das negativas, as provas era tantas, que o suspeito acabou indiciado pelo delegado Rupereta, que disse alto e bom som:
— Seu Jesse, sem anistia!
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