“Meu corpo não é um templo; é uma igreja, cheia de vinho, pão e pecado.”
Tomamos essa afirmação não como confissão, mas como manifesto. Porque a metáfora do “templo” puro, intocado, sagrado e silencioso nunca nos serviu. Sempre foi um projeto disciplinar criado para moldar especialmente as mulheres: perfeitas, contidas, obedientes, organizadas ao redor da moral que nunca foi escrita por elas.
Ao afirmarmos que nosso corpo é uma igreja, subvertemos essa lógica. A igreja é feita de gente imperfeita, falha, contraditória, ruidosa. A igreja é lugar de comunhão e de conflito, de perdão e de excesso, de corpo presente e voz ativa. A igreja não existe sem movimento. E nossas vidas também não.
Há vinho porque há celebração e insubordinação.
Há pão porque há sobrevivência.
Há pecado porque há escolha.
E para uma sociedade acostumada a controlar o corpo feminino, nada é mais revolucionário do que uma mulher que escolhe.
Durante séculos, tentaram reduzir nossos corpos a templos silenciosos: espaços vigiados, castigados, policiados. Nos disseram que pureza era virtude, que ousadia era desvio, que desejo era ameaça. Transformaram nossa carne em território de culpa e nossa liberdade em crime. Mas quando dizemos que somos igreja, afirmamos algo radical: não existe feminino sem história, sem memória e sem humanidade.
Nosso corpo é coletivo e político.
É palco de rituais, de rupturas, de reconstruções.
É onde decidimos quem somos, o que deixamos entrar, e o que jamais aceitaremos novamente.
Feminismo não é apenas sobre libertação da opressão externa. É sobre reclamar para nós mesmas o direito ao vinho o prazer , ao pão a dignidade , e ao pecado a autonomia. Somos feitas de excesso, de contradição, de vida que transborda. E, ao contrário do templo idealizado, não precisamos ser perfeitas para sermos sagradas.
No fim, o “pecado” que nos acusam de portar nunca foi nosso: foi invenção de quem teme mulheres que sabem o próprio valor. Mulheres que, ao contrário do que esperam, não se escondem atrás da santidade: existem, sentem, desejam, reivindicam.
Nosso corpo é igreja porque é vivo.
E tudo o que é vivo resiste.
