De forma alguma quero descartar nenhum leitor e nem ficar retida num nicho qualquer, mas, quando escrevo, tento imaginar aquele que me lê, pois reconheço nas entrelinhas a parceria silenciosa de um viajante sem reconhecimento facial. Esse ente que se dá autoridade de criar consigo mesmo os caminhos da minha narrativa. Que nas sombras do anonimato reescreve a história que criei, se dando ao luxo de imaginar coisas que nem mesmo eu teria imaginado. Esse incógnito fantasma que furta minha voz de autor e constrói em seu labirinto mental sua própria história, tendo como base aquela que narrei de modo ingênuo, me considerando autor único, intangível.
Essa crônica dedico a ele, meu leitor, que assim como eu não tenho poder sobre sua imaginação meliante, de quem se apropria do que o outro criou, ele também não pode prever o modo como o entendo e desejo. Dar-me-ei ao luxo de construir sua persona, baseado em Pigmaleão ao dar voz a uma estátua, sendo essa invisível. No entanto, esse leitor que descortino continua fugindo ao meu querer, inalcançável ser. Ele, segundo minha lógica de autor morto, parafraseando Barthes, é alguém que busca respostas para perguntas que ninguém fez, nem mesmo eu. É um arqueólogo insano em busca de pistas, índices, vestígios para esse ou aquele parágrafo: traços, deliberadamente deixados, por aquele que escreve, de um caráter, de um desejo mórbido, uma busca qualquer de sentido no subtexto espectral.
Esse leitor que imagino é um companheiro curioso e criativo que nas brumas das palavras encontra pegadas do autor, mas não quer segui-las, se apropria delas. Preciso deste meu leitor para recriar meu universos em outras dimensões. Reconheço nele meu álter ego, detentor de um despotismo esclarecido, que me deixa no escanteio das margens e se liberta de minhas pretensões.
Em suma, o amo leitor e, o mais bonito dessa relação é precisar de você sem precisar de você.
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Nancy de Souza, escritora e artista visual, formada em Letras pela UFRJ e Pintura pela EBA/UFRJ. Pós graduação em Escrita Criativa e Narrativas-PUCRS.
Autora de: Aventuras e Desventuras de Benjamin James (ELLA), Crônicas Minhas (Fontenele) e infantojuvenil Binduim da Floresta (Independente).
