Assim que abasteci a minha velha câmera com mais um rolo de filme, eis que o senador, em pé e com o dedo indicador da mão direita em riste, esbravejada diante dos repórteres. É tudo mentira o que andam falando por aí. Não sou o que os adversários dizem. Mentira, repito! Aliás, repito e repilo qualquer ofensa dirigida à minha pessoa, tão digna quanto minha amada mãe diria, caso ainda estivesse aqui nesta vida terrena.
Eloquência é o que sobrava no político, cuja fama era tão coberta de podridão, que os eleitores já nem se importavam com o odor fétido que exalava de palavras tão falaciosas. Tudo mentira, é verdade. Mas mentiras contadas com propriedade por quem sabe que nem precisaria mais enganar a plateia, desejosa apenas de ouvir a voz firme na infrutífera tentativa de afastar a quantidade enorme de indícios de crimes.
Quando apontei novamente a câmera para o político, eis que, antes mesmo de dar mais um clique, o José Seabra (Chefe), editor do jornal, me telefonou. Nada de mensagens, mas ligação mesmo. E bem sei que, nessas horas, é melhor atender.
— Tá onde?
— Na entrevista do Couto.
— Deixa isso pra lá.
— Mas, Chefe…
— Tenho coisa mais importante.
Como precisava pagar o leite das crianças, tratei de obedecer ao meu chefe, que só revelou qual seria a tal coisa mais importante quando eu já estava dando partida no Fusca 1968, cor bege-nilo, que havia pegado emprestado com meu colega de redação, o Dan (Daniel Marchi).
— Mathuzalém, olha lá o que vai fazer com o Maggiolino!
Maggiolino. Isso mesmo! Será que todo gênio tem a mania de colocar nomes em carros? Meu pensamento foi interrompido por nova ligação do Chefe.
— Mathuzalém, vá ao Meliá Brasil 21, que a Marta já está na recepção.
Trata-se da minha colega Marta Nobre, que assina várias matérias de destaque no Notibras. Mal cheguei, ela veio até mim.
— Caramba, Mathuzalém! Onde você estava?
— Não estou entendendo nada. O que tá acontecendo?
— Hum! Não tá sabendo mesmo?
— Não.
Em vez de revelar o que era, a Marta me puxou pelo braço e subimos até a melhor suíte, onde dois brutamontes estavam diante da porta. Afinal, o que seria tudo aquilo?
— Boa tarde, senhora Marta. Ela já está aguardando por vocês.
Ela? Minha mente começou a entrar em parafuso. Quem seria? Até onde me constava, Elizabeth, a rainha da Inglaterra, já teria partido desta para melhor.
Mas eis que, assim que a porta se abriu, lá estava a tal ela. Impossível não reconhecer aquela cruzada de pernas, que ficou eternizada nas telonas.
Marta e a afamada atriz pareciam velhas conhecidas, pois trocaram sorrisos, enquanto eu, tremendo que nem adolescente diante de revista adulta, não conseguia tirar os olhos da cena. A visita era segredo e não poderia vazar. Todavia, isso não foi empecilho para que a bonitona se deixasse fotografar.
— Fotografa a mulher, Mathuzalém!
Após mais de cem cliques, tomamos alguns drinques e canapés. E, assim que chegou a hora da despedida, eu estava mais pra lá do que Bagdá. E, ao receber dois beijos da celebridade, prometi ali mesmo que nunca mais lavaria o rosto.
Já na garagem, a Marta me perguntou se eu havia vindo de carro. Respondi que sim, mas que era melhor pegarmos um táxi, tamanho o nível alcoólico de nós dois.
Deixei o Fusca numa vaga da garagem do hotel. No dia seguinte, eu daria um jeito de pegá-lo. E foi o que fiz. Vá que acontecesse alguma coisa com o Maggiolino. O Dan certamente iria me matar!
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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