Brasília é uma cidade construída sobre o sonho da ordem. Mas, como todo sonho, acabou virando pesadelo de concreto, preferencialmente ‘armado’. No Park Way, onde o perfume das flores se mistura ao cheiro de privilégio, existe uma mansão que mais parece saída de um catálogo de impunidades. Ali, entre palmeiras e orquídeas, o presidente da Câmara Legislativa, Wellington Luiz (MDB), vive desde os anos 1990 uma espécie de fábula imobiliária. O enredo é de um homem que transformou terreno público em reino privado.
O Ministério Público, sempre o último a chegar à festa, acordou tarde, mas acordou. Recomendou a demolição imediata da casa — esse palácio da audácia, erguido sobre solo da Caesb, a companhia que fornece água ao povo e luxo a quem dela se serve. A promotoria, num raro momento de lucidez institucional, lembrou o óbvio: o terreno é público, a construção é ilegal, o licenciamento é ficção e a regularização é impossível.
Mas Brasília é um teatro de ilusões. E cada órgão público, nesse drama tragicômico, faz o papel de quem não quer estragar a cena. A Terracap suspende licitações “para avaliar”. O DF Legal aplica multas “por respeito à Justiça”. A Caesb, com a serenidade de quem já viu de tudo, informa que “acompanha regularmente as ações em curso”. Todos observam, de camarote, o espetáculo da inércia.
Enquanto isso, a mansão segue altiva com seus 585 metros quadrados de arquitetura da esperteza. Quatro suítes (uma master, naturalmente), cozinha digna de programa de TV, espaço gourmet para churrascos de ocasião, piscina de 14 metros, sauna, orquidário e estacionamento para 30 carros — um oásis onde a legalidade nunca foi convidada. Há até um campo de futebol de 2 mil metros quadrados, talvez para que o poder jogue peladas com a ética e vença de goleada.
A recomendação do MP poderia ser vista como ato de coragem. Mas em Brasília, recomendações viram papéis decorativos, e demolições são sempre “agendadas para um futuro indefinido”. No DF, o tempo serve mais à impunidade do que ao relógio.
Wellington Luiz, acostumado a legislar sobre os outros, agora se vê legislado pela moral pública, justamente aquela que ele ajudou a enterrar sob o gramado do seu campo. Sua defesa talvez alegue tradição. Afinal, se desde os anos 90 ninguém tocou na sua muralha de concreto, por que agora haveria de ruir?
Mas toda farsa tem seu desfecho. E talvez, quando o primeiro trator do DF Legal enfim roncar à beira da piscina, Brasília sinta um sopro de realidade. Mesmo que breve, mesmo que simbólico.
Até lá, a casa permanece. Linda, ilegal e iluminada como um altar dedicado ao privilégio, velha divindade local. Ainda insistem que Brasília foi planejada para ser a capital da esperança, mas olhando o Park Way, a gente entende que o plano-piloto era só para os ingênuos, e os anexos, esses sim, ficaram reservados aos engenhosos.
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Marta Nobre é Editora Executiva de Notibras
