Manhã de Sol e vento nordeste. Caminho pela trilha beira Rio da Madre até o mar. Procuro garrafas-de-náufragos, pois elas existem.
Entre os dias e noite, vivo na pequena aldeia como no interior de uma dessas garrafas. Mundo protegido, clima perfeito, tempo que passa no ritmo constante sem assombros e com algumas surpresas. É o gato de Yassunã, mulher do Honório da Prainha, que cansado da vidinha modorrenta praieira –o gato, não o Honório-, resolveu subir no galho mais alto da velha figueira da pracinha da igreja e lá ficou; tem também o boato de que a mulher-sereia atacou Mestrinho, o velho pescador da Guarda, no final da madrugada e levou a rede dele com os peixes e toda a roupa do vivente que ficou lá, estatelado e peladão nas areias da praia perto do Costão; dizem, mas ninguém viu de fato real pra comprovar. E segue a vida, coisas cotidianas, corriqueiras para quem habita os dias dentro desta vila-garrafa.
Vai ter prédio e asfalto…
No começo da tarde veio um boato forte: os vereadores aprovaram uma lei que irá permitir construir prédios de até 12 andares na comunidade; e na orla da praia da Pinheira e também nas areias que beiram o rio da Madre.
O vuco-vuco ganhou os botequins e no Bar do Maneca as apostas entre os pescadores já corria solta:
“Vai sim, agora vai, seu otário… num tem mais arrego, não! Os vereadori aprovaram e acabô. Quem não quiser que vá chorar nas pedras do Costão ou se enforcar em algum pé de alface aí pela vila.” – provoca Nezinho, filho caçula de seu Benê, patrão de seis barcos de pesca nativa do rancho da Praia de Cima.
“Vai não, seu boca de maleta! Num é assim não que as coza são, não…os homê lá na Câmara ganham os trocados e aprovam, mas o prefeito vai vetá e tudo vai continuá como sempre foi: nada de prédio por aqui não!” – retruca o padre Domênico que, além de pároco da pequena vila, também responde pelo Clube de Pesca e Tiro e – nas horas vagas -, pelo apontamento do jogo do bicho que tem a sede nos fundos da igrejinha da praça.
Já é quase meio-dia…
Retornando pela trilha do Costão, sem encontrar nenhuma garrafa-de-náufrago, penso, esperançoso, que minha sorte irá mudar:
“Novamente não foi desta vez, quem sabe amanhã…”
Entro no Bar do Maneca para um trago e saber das “cousas” e fico boquiaberto com a imaginação e o oportunismo destes sobreviventes dos Açores na hora de levar vantagem. Já tem “manézinho” pensando em vender casa e terreno – sem escritura definitiva como tudo por aqui -, para as empreiteiras construírem prédios ao largo da Guarda.
Mas tudo não passa de boataria, “freiqui nius” como dizem os nativos… Internet por aqui é ao vivo e em cores, nos botequins e na pracinha central da vila-garrafa.
E segue o baile e La Nave vá…
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Gilberto Motta é escritor, jornalista e professor/pesquisador. Vive faz alguns anos na vilazinha da Guarda do Embaú, litoral Sul de SC.
