Era cretinamente lindo. Sempre fora, mesmo na fase ingrata da adolescência, quando os hormônios estão mancomunados com os mais esdrúxulos desalinhos. De tão belo, causaria repulsa até mesmo ao mais frondoso dos pavões. Inclusive as casadas costumavam dizer: Vai ser harmonioso assim lá em casa!
Murilo não prestava, e não era pouca coisa. Não valia colherada pequena de sopa rala. Um traste. Mesmo assim, não lhe faltavam pretendentes, todas, obviamente, cientes de que nem mesmo elas suportariam ir além de uma noite. Pois, caso não bastasse ser um biltre, o canalha não fazia questão nem mesmo de coçar o bolso na hora de pagar a conta do motel.
Destino é algo que, geralmente, é tão previsível, que chega a entediar, tamanha a monotonia. Todavia, quando sai da rota prevista, pode surpreender até mesmo aqueles propensos aos maiores devaneios. E foi justamente isso que aconteceu ao pulha.
Pois é, o imprevisto se deu na manhã de certa segunda-feira, quando Murilo, peito estufado, desfilava pelas calçadas do bairro, certo de que provocaria os desejos mais reprimidos nas mulheres que tivessem a sorte de se deparar com figura tão digna de olhares cheios de vontades. Nenhuma novidade até que, de repente, uma jovem, do nada, virou-se para o gajo. Olhou-o de cima a baixo, torceu os lábios desdenhosamente e, pasmem, virou-se e foi embora.
O que foi aquilo? Murilo, perplexo, não conseguiu acreditar. Seria possível alguma mulher desprezá-lo, ainda mais depois do que a natureza havia feito com o seu magnífico ser? Não, não e não! Deveria ter alguma explicação lógica para aquele episódio. Cegueira. Sim, aquela pobre garota, não mais de 20 anos, deveria ser cega. No mínimo, sofria de miopia severa. Sim, sim e sim!
Por sorte ou azar, Murilo se deparou novamente com a misteriosa mulher alguns dias depois. E o encontro aconteceu por acaso, justamente na casa da Fernanda, antiga namorada de uma noite como tantas outras. Ele tentou puxar conversa, mas Larissa, era como se chamava a jovem, nem lhe deu bola. Mesmo assim, foi educada o suficiente para desfazer qualquer dúvida sobre suas vistas.
— Míope? Não, senhor! Pois vejo muito bem.
— Não é possível!
— Pois acredite, senhor Murilo! Enxergo de longe um safardana.
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