Já falei para vocês o quanto nosso verão capixaba é gostoso, quente e lindo, não é!?
E já falei dos vendedores ambulantes maravilhosos que vivem das nossas praias.
Meados de janeiro, uma tranquila, quente e gostosa segunda-feira.
Para mim o melhor dia para frequentar uma praia, o movimento diminui, e a praia fica um pouco mais vazia.
Escolhi um lugar mais tranquilo, já que eu estava com meus filhos, alguns amigos com filhos e minha neta bem pequena, pouco mais de um ano.
E não sei vocês, mas, para nós praia, é um atrativo para comida e bebida, o famoso picolé é um chamariz, produto consumido diariamente.
E as crianças vigiam os carrinhos de picolé como se eles fossem desaparecer.
Então, lá estávamos nós à espera de um carrinho de picolé, as crianças agitadas e atentas.
Não demorou muito e uma moça lindíssima se aproximou empurrando um carrinho.
Oito pessoas, entre elas seis crianças afoitas escolhendo seus sabores preferidos.
Enquanto as crianças escolhiam, fiquei observando a moça, curiosa.
Jovem, muito bonita e bem-vestida, percebi que escolhera com cuidado a roupa, uma saia longa estampada bem característica de praia, um top médio de cor branca e uma bela maquiagem leve e praiana.
Após as crianças escolherem e finalizarmos o pagamento, puxei conversa.
— Adorei seu visual!
— Obrigada. Ela respondeu simpática.
— Tem muito tempo que você trabalha aqui?
— Só no verão, eu faço faculdade, e todo final de ano tenho várias mensalidades atrasadas, e, para refazer a matrícula, eu preciso pagar, então venho para a praia, pego o carrinho de picolé e vendo durante o período de férias para acertar o atrasado, depois trabalho fazendo bicos em barzinhos nos finais de semana e vou pagando de acordo com o que der, meu sonho e me formar em direito, ainda faltam dois anos, mas vou conseguir.
— E seus pais te ajudam de alguma forma?
— Não dá, somos uma família simples e tenho dois irmãos mais velhos que eu, meus pais precisam pagar a faculdade deles e, por isso, não têm condições de pagar para mim. Meu irmão mais velho reprovou duas vezes, atrasou e com isso fica difícil para eles, então eu vendo picolé para que eu consiga fazer.
— E vocês não conseguiram bolsa?
— Meu irmão achou difícil e, por isso, meu pai paga integral e ele não consegue trabalhar por causa da faculdade, o do meio fez Enem, mas a nota não foi muito boa e eu sim, consegui uma nota razoável no Enem, por isso consigo fazer bicos, vender picolé e pagar.
— E esse visual lindo, maquiagem, achei diferente e muito bom.
— Ah! Não é porque estou na praia vendendo picolé que tenho que estar de qualquer jeito, gosto de vir arrumada e me apresentar bem.
Achei magnífica sua história, comprei uns picolés extras para incentivá-la no seu sonho, que tenho certeza de que se concretizou.
Enquanto ela empurrava seu carrinho em direção a outro cliente, transbordando beleza e sorriso, eu a seguia com os olhos e refletia.
Quantas vezes ouvi de homens.
“Mulher não precisa de estudar.”
“Os homens precisam crescer e precisam ser incentivados, as mulheres precisam cuidar bem da casa.”
“Entre pagar os estudos de um homem e de uma mulher, é óbvio que devemos pagar o do homem.”
Entre muitas dessas frases, me lembrei do alto número de mulheres que, assim como aquela quase menina, se dividem entre vender um doce, salgado, picolé e muitos outros trabalhos para se tornarem médicas, dentistas, advogadas e tantas profissões, enquanto, de forma geral, as famílias, amigos encontram formas de apoiar os homens emocionalmente e financeiramente, inclusive um número alto de mulheres que se formaram depois de casadas, se dividindo entre casa, marido e ainda vendendo trufas nas salas de aulas, salgados na praia, passando dias sem almoço para economizar, sem contar com o apoio financeiro da família e do marido.
Nós não cuidamos e não apoiamos nossas mulheres em todos os sentidos.
