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Não esperem de mim descrições como olhos verdes, peles macias e juventude

Tenho um amigo que para mim é um anjo, ele não esteve no Vietnã com uma metralhadora na mão, mas é o maior lutador e vencedor que eu conheço, quando o conheci era só um escritor, fui convidada por uma terceira pessoa e ao chegar no local da tarde de autógrafos vi um homem inteligente, se tratando apenas de uma leitora ele me recebeu, contou sua história, falou lindamente sobre seu livro, mas ao me perceber, já que acredito que almas se entendem a conversa se prolongou e ao final ele me direcionou a mesa ao lado, onde estavam sua irmã e esposa, duas mulheres lindas e sorridentes.

Não esperem de mim descrições como olhos verdes, peles macias, juventude, descrições como joviais você irá ler em grande parte dos meus textos, joviais para mim são pessoas jovens e divinas, e divinas também é bem pessoal e você vai entender se continuar a me ler, embora eu respeite o dicionário e respeite as palavras, aprendi com esse amigo que algumas palavras têm significado pessoal e isso é o que o cérebro e nossa cultura as vezes entendem como significado das palavras.

Então vamos lá, ele também que insiste em dizer que não me lê porque sei que sou uma mulher que limito minhas emoções aos homens embora eu o considere um grande amigo, ele em poucos instantes me apontou sua belíssima esposa, sua irmã, eu brincaria que é uma Maria Betânia, mas eu tinha intimidade para isso.

Acho que foi um bom encontro, esse meu amigo que travou muitas batalhas lutou a vida inteira e ainda luta, uma doença que o marcou por uma vida inteira o levou a brigas, vergonhas, cirurgias, preconceitos….

Bom, ele pode dizer mais do que eu o quanto lhe custou, e o quanto lhe custa, é meu amigo mais amável e mais inteligente, mas ele me disse:

__ Se passar por mim e eu não te cumprimentar diga meu nome, o mais baixo que quiser ou puder eu irei te ouvir, ando de cabeça baixa, mas ouço meu nome por mais baixo que seja pronunciado.

Entendi naquele dia o preço de andar com a cabeça erguida ou a dor de andar com a cabeça baixa, embora como mulher eu já entendesse muito.

Outro dia tomando três latão divididos entre ele, o genro e eu na calçada da rua principal do seu bairro, e devo deixar claro aqui que amo esse tipo de amizade, ele me disse:

__ Minha maior dor é quando minha mulher sofre com os comentários que fazem ao meu respeito.

Ali entendi que ele sofria por ele e por quem o amava, entendi o porquê que as pessoas que a sociedade julga diferente sofrem tanto, elas sabem o que é ser rejeitada, sua dor é por si e pelos por quem as amam.

Aprendi que não ser preconceituosa era mais do que não julgar, nunca vi nenhum problema no meu grande amigo que eu amo e conheço muito bem, e que inclusive admiro pelas trinta e cinco cirurgias quando o conheci, corajoso, batalhador e maravilhoso.

Carreguei comigo sua história, aprendo e o amo.

Recentemente a mãe de um grande amigo morreu e com nossas mudanças sociais há algo incompreensível para mim, parece que as pessoas atualmente têm medo ou vergonha da família, então eu imaginava a mãe a partir do filho, um homem preto, eu tinha dificuldades de compreensão, mas fiz o melhor e tive paciência, então com seu falecimento e sua foto exposta finalmente, vi uma mulher branca casada com um homem preto, entendi e me veio a realidade, uma mulher que amou, uma mulher branca que há setenta e oito anos se apaixonou por um homem preto mais novo que ela.

Que mulher maravilhosa, enfrentou a sociedade, o preconceito, o racismo, os olhares cruéis e maldosos, morreu até cedo diante de tanta coragem, mas eu gostaria de tê-la conhecido, pois ao pensar no meu amigo e diante dessa morte entendo, a vida é dos corajosos, talvez a sociedade tenha a assassinado, penso eu que enfrentar tudo isso resultou em uma morte para mim jovem, mas viveu o que tinha que viver,

Não deixou de amar por causa de uma sociedade racista.

Isso é viver e morrer com dignidade.

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Mércia Souza é escritora e artesã crocheteira, apaixonada por explorar a natureza e criar com as mãos. Com o crochê e a escrita, busca transformar sua paixão em uma fonte de renda e inspiração para outras mulheres. Sonha em criar uma cooperativa que empodere e enriqueça a vida de mulheres através da arte e do trabalho criativo. Em parceria com projetos voltado para a mulher visando criar um impacto positivo na vida de mulheres e comunidades através da arte e do trabalho criativo. Autora de três livros e colunista, reside atualmente na cidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES.

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