Em praticamente todos os governos, quando a inflação sobe, recai sobre o Banco Central a responsabilidade de controlá-la. Mas até que ponto essa responsabilidade é apenas dele? Será mesmo possível conter a inflação apenas por meio da manipulação da taxa básica de juros (Selic)? E, mais importante: quais são as verdadeiras causas da inflação que vivemos?
Para entender o problema, é necessário ir além dos números e observar os fatores estruturais que afetam diretamente os preços no Brasil. A inflação, muitas vezes, não decorre apenas do consumo elevado, mas do encarecimento dos insumos básicos, especialmente das fontes energéticas, como combustíveis (petróleo e derivados), energia elétrica e gás. Além deles, também os minérios e alimentos influenciam fortemente o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA).
Atualmente, quando os combustíveis aumentam, vemos uma reação em cadeia: aumentam os preços do transporte, dos alimentos, dos serviços e, por consequência, de toda a cadeia produtiva. Esse efeito dominó é devastador para o poder de compra da população, especialmente a mais pobre.
O grande problema é que o Estado brasileiro perdeu o controle sobre esses setores estratégicos. A maioria dessas empresas foi privatizada — muitas vezes, sem debate com a sociedade e por interesses escusos. O caso da Vale do Rio Doce, vendida por valor irrisório nos anos 1990, e as pressões pela privatização da Petrobras, da Eletrobras (nossa economia limpa já privatizada) e de outras empresas públicas, são exemplos emblemáticos.
Essas decisões atenderam a interesses de grandes grupos econômicos, lobistas, empresários oportunistas e políticos comprometidos com o mercado e não com o povo brasileiro. Para que a economia funcione bem, é necessário que o Estado tenha soberania sobre os setores essenciais, especialmente aqueles que impactam diretamente a vida da população.
O Banco Central, que no governo anterior apanhava de Lula ‘mais do que mulher de malandro’, atua elevando a taxa Selic como forma de conter a inflação. Isso se dá porque juros mais altos desestimulam o consumo e o crédito, diminuindo a circulação de dinheiro. Porém, essa medida tem efeito limitado quando as causas da inflação são externas ou estruturais, como o aumento dos combustíveis, e não o excesso de demanda.
Apesar disso, muitos governos reclamam da elevação da Selic. Era o que Lula fazia com Campos Neto, num jogo dúbio de palavras que agora vem à tona. A alegação é a de que a Selic atrasa o crescimento econômico e encarece os empréstimos. Mas o verdadeiro problema não está no Banco Central, e sim na omissão do Estado em regular e conter os aumentos abusivos de energia, combustíveis e gás.
Afinal, como combater a inflação se o próprio governo não possui mais instrumentos diretos para controlar os preços desses itens essenciais?
Recursos energéticos não são apenas produtos: são ferramentas de soberania, desenvolvimento e bem-estar social. Quanto mais acessíveis forem a energia e os combustíveis, mais capacidade terão os empresários de produzir, os agricultores de plantar, os caminhoneiros de transportar e as famílias de viver com dignidade.
O acesso à energia é um direito social implícito, previsto na Constituição Federal de 1988, quando estabelece os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da função social da propriedade (art. 5º, XXIII). Além disso, o Estado deve garantir a ordem econômica baseada na valorização do trabalho e na justiça social (art. 170).
Privatizar setores estratégicos vai na contramão desses princípios. Empresas como a Petrobras e a Eletrobras não devem existir apenas para dar lucro a acionistas estrangeiros, mas para garantir o desenvolvimento nacional.
A quem interessa essa situação?
Infelizmente, grande parte da classe política brasileira serve a interesses privados. O Congresso Nacional, muitas vezes, atua como instrumento de favorecimento de grandes empresários, votando leis que fragilizam o Estado e enriquecem poucos. Enquanto isso, a maioria da população sofre com preços altos, desemprego, perda de poder aquisitivo e aumento da miséria.
A retomada do controle sobre empresas estratégicas não virá desses mesmos políticos, pois seus compromissos não estão com o povo. É preciso uma profunda renovação política, com representantes que compreendam que empresas públicas são patrimônio do povo e não moeda de troca em balcões de negócios.
O povo brasileiro precisa entender que não há desenvolvimento sem controle público dos recursos essenciais. Energia, petróleo, gás e minérios são riquezas que devem estar a serviço da nação. Deixar esses setores nas mãos de interesses privados é condenar o país à dependência, à instabilidade e à perpetuação da pobreza.
Recuperar a soberania nacional passa, necessariamente, por reestatizar empresas estratégicas, fortalecer o papel regulador do Estado e restabelecer o pacto social previsto na Constituição de 1988.
Enquanto isso não for feito, a inflação continuará sendo uma ferida aberta, sangrando o bolso do povo e alimentando os lucros de poucos.
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Gilmar Lopez é colaborador de Notibras, descrevendo momentos do mercado financeiro
