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Novos deuses surgem apenas para cultuar o poder que pensam possuir

Quando Roma caiu, o mundo não ficou sem deuses. Ficou apenas sem templos. O mármore que sustentava Júpiter, Marte e Vênus virou pó, mas em seu lugar ergueram-se outros altares — invisíveis, silenciosos e muito mais poderosos. Os novos deuses não precisaram de sacerdotes; bastou-lhes o brilho do ouro, o eco das moedas e a ambição humana.

Nasceu, então, o culto ao poder, adorado em palácios e mercados. Imperadores deram lugar a reis, reis cederam tronos a banqueiros, e o ouro tornou-se a nova divindade universal. O incenso das oferendas foi substituído pelo cheiro do metal aquecido, e as orações, pelos contratos. A fé se converteu em cálculo.

“O ouro fala todas as línguas e não precisa de profetas”, dizia um mercador veneziano, séculos depois da queda do Império Romano.

A humanidade passou a servir ao Deus da posse, que exige trabalho, sangue e silêncio. As promessas de glória eterna foram trocadas por juros, títulos e propriedades. O Coliseu ruiu, mas ergueram-se as bolsas de valores; os templos se esvaziaram, mas multiplicaram-se os cofres.

A guerra deixou de ser travada por espadas — passou a ser travada por cifras e ambições.

Os novos deuses não vivem no Olimpo: habitam os símbolos. Estão nas coroas, nos selos oficiais, nas logomarcas reluzentes. Suas oferendas são o tempo e a atenção humana. Sua promessa é de poder, não de paz.

E, no entanto, há algo de profundamente romano nesse culto moderno. Como outrora, o homem ainda acredita que pode dominar o mundo com aquilo que criou. Apenas esquece — como Roma esqueceu — que nenhum império, por mais dourado, resiste ao cansaço dos deuses.

Os deuses mudam, mas o homem continua o mesmo. Roma caiu, o ouro se ergueu, e a fé migrou dos templos para os cofres. Hoje, nas praças digitais e nas metrópoles de vidro, seguimos adorando o brilho do poder — o mesmo brilho que cegou impérios e calou oráculos.

Talvez o verdadeiro milagre não esteja em criar novos deuses, mas em lembrar o silêncio daqueles que um dia nos ensinaram a temer o infinito.

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