Rafael e Morgana pareciam ser o casal mais feliz do mundo, e não faltavam motivos para que todos, inclusive eles, concordassem. Viagens a dois para locais inusitados, jantares à luz de vela, presentes-surpresa deixados nos bolsos, como nos tempos de namoro. Isso sem falar nas noites tórridas sob a proteção de lençóis discretos.
Discórdias, apesar de raríssimas, existiam. Entretanto, nada além de divergências quanto ao sabor favorito de sorvete. Rafael, convencional, sempre pedia chocolate; Morgana, cujo instinto desbravador sempre lhe fez companhia, preferia variar. O homem olhava esse despudor da amada e sorria.
Não se sabe se o que se deu foi porque os filhos, todos criados, já não moravam há tempos com o casal. Netos a caminho, é provável que Morgana, ao acordar certo dia diante do marido, o mesmo homem de sempre, sentiu desejos longe dali. Quem sabe, talvez, o amor tivesse se transformado em outro sentimento? Meras suposições, que não parecem carregar o selo da verdade. E quem se importa?
Lá estavam os outrora enamorados, sentados à mesa de um dos mais concorridos restaurantes no Lago Sul. Não raro, Morgana ia até o banheiro retocar a maquiagem. Não que precisasse, mas era o seu momento de encarar a mulher por detrás do espelho. Quanto ao homem, aguardava a esposa retornar, pois ela gostava de surpreender.
Após comer o de sempre, Rafael saboreou a visão da mulher degustar aquela iguaria peruana: pachamanca. Rafael esperou a amada dar a última garfada.
— Gostou?
— Se isso não é o manjar dos deuses, não sei o que poderia ser.
Trocaram olhares confidentes e, do nada, Morgana se levantou, deu um ardoroso beijo nos lábios do Rafael e, antes de ir embora, lhe disse:
— Você está colado na minha pele, Rafael, e eu não consigo e nem quero tirá-lo daqui. Digo até que eu teria uma vida toda ao seu lado, mas não esta.
Virou-se e nunca mais foi vista.
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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’
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