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O Clube dos Onipotentes nos bastidores do Senado

Brasília (DF) 22/03/2023 Senador, Sergio Moro, durante discurso na tribuna do senado onde falou sobre atentado contra ele e sua família.

De vez em quando vou ao Congresso Nacional para fazer algum freelance. Até certo tempo atrás, passava boa parte do dia, lá, cobrindo as atividades para jornal ou portal, ou assessorando parlamentares. Para um escritor, o Congresso é um laboratório, pois abriga uma fauna riquíssima em tipos, capaz de satisfazer os mais criativos ficcionistas. Foi assim que conheci um senador inesquecível, que evoca aquele fedor de ácido úrico que, às vezes, sentimos nas paradas de ônibus.

Era o tipo que carrega consigo, sempre, uma saca de confete. Seu corpanzil esparramado na poltrona atrás da sua mesa de trabalho lembrava um animal híbrido, com cabeça de ratazana e, do pescoço aos pequenos pés, um yorkshire. Quem o via, mesmo uma única vez, jamais o esquecia, muito menos quem convivia com ele; aí, se tornavam puxa-sacos, embora cultivassem contra ele o sentimento que oscila da bajulação ao ódio, movidos pelo interesse, pois só assim era possível conviver com ele, já que seria impossível sentir amor por uma criatura tão mesquinha e odiosa.

Nesses casos, o interesse transforma os interessados em diplomatas, sempre com um facão mental pronto para o golpe, com a peixeira entrando pela saboneteira e mergulhando até o coração. Mas, para não exaurir a fonte de corrupção, vão golpeando aos pouquinhos o objeto do seu ódio contido, procurando tirar alguma espécie de proveito, alimentando a esperança de vê-lo exangue, pilhado, morto. Um jogo no esgoto.

O senador era quase uma unanimidade, incensado pela imprensa setorizada no Congresso Nacional. Os que transcendiam o olhar de mero jornalista logo percebiam o jogo. Se os gabinetes dos senadores do baixo clero são conjuntos principescos de salas, os gabinetes dos incensados pela mídia são mais impressionantes ainda, caso do senador em questão. Seu gabinete estava sempre de portas abertas para jornalistas, à disposição para a prestação dos mais variados serviços, de xeroxes a telefonemas internacionais e passagens aéreas, até presentes em dinheiro, o que alguns repórteres adoravam, e se entregavam ao jogo com o mesmo brilho nos olhos dos glutões nos banquetes.

Falar em glutão, essa era outra das características do senador que o tornavam tão inesquecível, e ultrajante. Ele praticamente não mastigava. Comia no almoço, facilmente, um quilo de boia, que ia se acamar numa pança roliça, um tonel, rijo de tão inflado, o intestino grosso transformado em uma fossa, com, seguramente, meia centena de quilos de dejetos presos nas dobras da tripa, somados aos 100 quilos de peso do paquiderme, muitos dos quais armazenados na barriga, fígado, quadris e coxas.

Outro fator impressionante era sua história, real ou imaginária, que ele contava para a plateia amestrada. Afirmava que herdara do seu pai, desempregado crônico, sua prodigiosa energia sexual e instrumento asinino, e, da mãe, dona de um mercadinho, o tino para os negócios. O fato é que desenvolveu o desprezo com que tratava as mulheres observando como seu pai se comportava com sua mãe; ela passava o dia trabalhando e era trabalhada, assim que se deitava, por um macho bem-disposto. Ela costumava dormir quase que imediatamente, embora mantivesse a consciência de que era penetrada ardência no dia seguinte.

– Meus caros, diletos amigos, chegou a hora de nos assenhorearmos deste fabuloso país, chegou a hora de ocuparmos nosso bunker, o bunker da elite do sistema, que somos nós. Precisamos terminar de construir nossa Havana, cercando a Praça dos Três Poderes com uma verdadeira Muralha da China. Precisamos, juntamente com Lula no Palácio do Planalto, instalar logo a ditadura totalitária e se espojar em uma bacanal jamais sonhada, tudo com dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, e da burra, é claro – ele disse, segundo me foi descrito pelo seu segurança, que era gente minha.

Ele continuou:

– Tudo será pago: os estacionamentos públicos, a manutenção dos cemitérios, o setor de saúde, a segurança, a exploração de água, esgoto e luz, alimentos a materiais em geral utilizados no setor público, principalmente nas escolas e hospitais, e partilharemos as terras devolutas – o animal híbrido fez uma pausa e olhou para a plateia. Tinha consciência de que a fala de radialista era sua melhor ferramenta; mastigava as palavras, burilava-as, tornava-as uma mentira convincente para ele mesmo. Treinara a exaustão o falar com fluência, flexionando os verbos e os pronomes corretamente.

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A Parte Ii será publicada na sexta-feira, 31

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