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O homem que poderia ser Papa… e preferiu ser pai

Faz lembrar um conto de fadas, mas transporta para uma história real. Presente, claro, o famoso “era uma vez…”. Foi num reino de luz e marés chamado Recife, vizinho ao antigo e sagrado reino de Olinda, onde vivia um jovem príncipe, que crescera entre claustros e sinos, destinado a vestir a batina e servir à Igreja. Seu trono seria o altar; seu cetro, a palavra de Deus.

Desde menino, aprendera a linguagem silenciosa das orações, o perfume das manhãs de missa, o latim das ladainhas e a disciplina das horas marcadas pelo badalar dos sinos. O Seminário de Olinda era um castelo de muros grossos, cujas janelas se abriam para o infinito azul do Atlântico. Ali, o príncipe se formava não para governar homens, mas para guiar almas.

Chegou, então, o dia em que o destino parecia selado. Ele e sua mãe, mulher de olhar firme e mãos suaves, iniciaram nas plagas de Casa Forte as sagas que viveriam no centro da capital. Iriam comprar o tecido negro com o qual seria feita a batina de sua ordenação. As ruas recifenses fervilhavam com o vaivém de carroças, bondes e pregões. O sol se derramava sobre os sobrados coloridos, e a maresia chegava misturada ao cheiro de café e tapioca.

Foi então que o acaso — ou quem sabe a mão invisível das fadas — ergueu um espelho diante de seus olhos. Não um espelho comum, mas o reflexo de uma vitrine.

Do outro lado, surgiu a visão. Uma dama vestida inteiramente de vermelho. Vermelho de paixão, de revolução, de pétala de cravo. Vermelho que queimava como aurora. Sapatos, saia, blusa, luvas, bolsa e chapéu. Tudo na cor do fogo e do sangue que pulsa.

Ela não o viu. Não precisava. Bastou que existisse ali, naquela rua, naquele instante, para que o mundo dele se movesse. O príncipe sentiu, como quem desperta de um feitiço antigo, que sua vida não mais caberia nos muros do Seminário.

Virou-se para sua mãe e, com voz respeitosa, porém inquebrantável, disse:

— Não quero ser padre. Vou casar com aquela comunista.

E assim, como em todo conto de fadas verdadeiro, uma escolha mudou o rumo de um reino inteiro.

O príncipe nascera em 1923; a dama, em 1926. Casaram-se no ano de 1946, unindo não apenas mãos, mas destinos. Moraram por um tempo no reino do Rio de Janeiro, onde as ondas lhes ensinaram a paciência das marés e a alegria do samba. Depois, seguiram para a nova capital erguida no coração do Brasil, onde Brasília ainda cheirava a cimento fresco e sonhos recém-plantados.

Ele, um alquimista das palavras, que transformava ideias em ouro e narrativas em eternidade. Ela, uma guardiã do lar, filha da deusa Héstia, mantendo aceso o fogo sagrado da cozinha e do abraço, fazendo do lar um templo.

Do amor deles nasceram dez herdeiros. Não príncipes de sangue azul, mas filhos de amor vermelho e trabalho honrado. Crianças que cresceram sob o som de histórias, risos e conselhos; que aprenderam com o pai o poder da palavra e com a mãe a força do silêncio acolhedor.

E assim, no grande livro encantado que o Tempo escreve com letras de vento e memória, ficou registrado que houve, certa vez, um príncipe que, tivesse seguido a carreira eclesiástica, poderia ter sido Papa. Mas, ao avistar uma dama vestida de vermelho, escolheu ser pai. E aquela velha Rua Nova, antes congestionada por bondes, carroças e Ford’s Bigode, hoje é uma área paradisíaca, onde transeuntes pisam em pedras portuguesas, buscando nas lojas os presentes para o Dia dos Pais.

Quanto a Geraldo e Madalena – personagens que deixamos para apresentar no fim -, como em todo conto de fadas, viveram intensamente em meio a lutas, alegrias e lágrimas.

– ‘Tá bom, né, Fau?!

– Oxente, claro que está. Depois de uma tarde-noite com vinho, camarão e queijo do sertão, acho que conseguimos, com esse conto de fadas realista, cheio de nostalgia, homenagear o nosso e outros pais.

Minha irmã passou o dorso das mãos nos olhos marejados. E sugeriu – dito e feito – que nem tudo é como escreveram os Irmãos Grimm. Porque ser pai – disse-me, como mãe exemplar que é – não é ganhar presentes no segundo domingo de agosto; é estar presente nos outros 364 dias do ano. E pontuou: “Pai de verdade não se mede pelo DNA, mas pelo tempo que doa e pelo exemplo que deixa. Não basta dizer ‘eu te amo’. É preciso mostrar esse amor nas pequenas atitudes. Ser pai não é aparecer na foto da formatura; é ajudar a escrever a história até chegar lá”. Enfim, concluiu, se o Dia dos Pais é uma data no calendário, ser pai é um compromisso diário, que não tira férias e não tem aposentadoria.

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Fátima Seabra, professora, historiadora, é filha do homem que não foi padre e da mulher que lhe trocou e ensinou a trocar fraldas

José Seabra, jornalista, diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras, é irmão de Fau

 

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