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O lado escuro da lua

Dizem que o Rock ‘n’ Roll é invenção do diabo. A se considerar todo o enredo de tragédias que permeia a história do gênero e inúmeros de seus personagens, essa hipótese não parece tão absurda. Juntando-se a isso todos os vícios e promiscuidades envolvidas com as vidas de seus protagonistas, principalmente sexo e drogas, a ideia parece fazer ainda mais sentido.

Mas o Rock não admite moralismos. Ele é pura perversão da ordem, confrontamento do tradicional, ruptura dos limites, em resumo a irrupção de uma rebeldia juvenil sufocada por séculos, pagando assim um alto preço; é revolução e revolução pressupõe flagelos e heroísmos, assim, os guerreiros tombam para que as gerações futuras usufruam dos frutos gerados por sua luta.

No início dos anos 1970, John Lennon vaticinou: “o sonho acabou”, mas ele estava errado, o sonho se reinventaria dezenas de vezes, para o bem e para o mal, ou para sonho propriamente dito ou pesadelo. Arrisco dizer: se reinventará, ainda, indefinidamente. Mesmo que não com a mesma fertilidade dos anos 60 e 70 do século passado no cenário da contracultura de então. Em contraposição, as fatalidades ligadas à sua história continuam e continuarão se sucedendo, são fatos verificáveis.

Contudo, essa é uma reflexão feita em perspectiva, olhando para trás. Viver a adolescência e a juventude na intersecção daquelas duas décadas, na época, era apenas diversão e deslumbramento ao descobrir novos músicos e grupos geniais, trazendo sons absolutamente experimentais, complexos e inusitados, cantando letras, cujos sotaques e língua, num primeiro momento, pareciam simplesmente o complemento perfeito para o som dos instrumentos, mas logo revelavam novos encantos quando se descobria o significado de sua tradução.

Ao mesmo tempo, a primeira tristeza e decepção em 1969 com a expulsão de Brian Jones dos Rolling Stones e sua morte, menos de um mês depois. Em 1970, o fim dos Beatles, na sequência, em menos de um ano, as mortes de Jimmi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison, quando se prestou atenção à coincidência do desparecimento dos quatro artistas, gerando a lenda do “clube maldito dos 27 anos”. Naquela quadra nem sabíamos que o “clube” havia sido inaugurado muitos anos antes, com o falecimento misterioso de um ilustre precursor, também envolvido em histórias fabulosas e diabólicas, o bluesman Robert Johnson, em 1938, posteriormente vieram outros como Kurt Cobain (1994) e Amy Winehouse (2011), para citar dois dos mais célebres.

Sempre fomos fãs do bom e velho Rock ‘n’ Roll. Bem verdade, não tínhamos dinheiro para sustentar o hobbie em toda sua abrangência, mas procurávamos nos inteirar das novidades conversando com amigos, ouvindo os discos que cada um conseguia obter, muitos tomados por “empréstimo” de irmãos mais velhos; lendo as histórias em revistas especializadas. Muitos discos, inclusive, não eram lançados no mercado nacional e conquistar uma dessas pérolas importadas era quase impossível.

E foi assim, garimpando, que Zeca e eu, em setembro de 1973, lançando mão de algumas das nossas economias, cuja finalidade era mesmo realizar esse tipo de “extravagância”, tomamos conhecimento de uma feira de som a ser realizada no clube Pinheiros, a “Expo Som”, não era exatamente relacionada ao Rock, mas sim, na maior parte, à música brasileira. Houve, inclusive a gravação de um disco ao vivo pela Odeon com apresentações de alguns de seus cantores e músicos contratados, sendo Simone a mais famosa. Mas além dos shows havia a apresentação de aparelhagens de som; e esse, sim, era o nosso verdadeiro interesse.

Em um compartimento de vidro quadrado, montado em um dos espaços, era exposta a maior das novidades daquele momento, algo que, por ter sido, infelizmente, um fracasso de vendas, rapidamente despareceu do mercado, entre outras razões, pelo alto preço, um aparelho de som quadrafônico, também chamado duplo estéreo, não me recordo qual era o fabricante.

A sala, possivelmente, media algo como uns 25 m² e parecia um grande aquário. No centro havia um banco circular para os visitantes se acomodarem para apreciar o som do equipamento aprisionado na cabine transparente. Em cada um dos cantos, uma grande caixa de som correspondente a cada um dos quatro canais e, o detalhe principal, em um toca-discos era reproduzido em alto volume o vinil, gravado também com tecnologia quadrafônica, último lançamento do grupo Pink Floyd, “The Dark Side Of The Moon” ou “o disco do prisma”, como também ficou conhecido, pois a arte da capa é a representação, em um fundo preto, de uma luz branca incidindo em um prisma translucido que a decompõe nas sete cores do arco-íris.

O álbum em si não era novidade, pois havia sido lançado no Brasil em abril daquele mesmo ano; nós, como interessados no estilo e, particularmente, fãs do grupo inglês, entre tantos outros, já o ouvíamos nas casas de amigos e mesmo nas rádios, que executavam pelo menos algumas das músicas. A grande magia eram aquelas ondas sonoras que impregnavam o ambiente e penetravam, mais do que nossos ouvidos, nossas almas ali naquele grande cubo de vidro. Algo indescritível, lembro- me perfeitamente conseguir distinguir perfeitamente a separação dos

instrumentos, vozes e efeitos especiais das faixas “Time”, “Money” e o canto quase espectral da interprete de estúdio Clare Torry em “The Great Gig in the Sky”.

Aquela experiência produziu em nós um efeito inesperado, por termos ficado absolutamente impactados com algo muito mais poderoso e nítido do que qualquer outra coisa que jamais havíamos vivenciado e, por vários dias, não conseguíamos apreciar da mesma forma como antes, não somente aquele que viria a ser o álbum mais emblemático do grupo que tanto admirávamos, como o de qualquer outro artista ou banda.

Mas, ao mesmo tempo, gerou em nós um sentimento de certo “pertencimento” da obra, entre os amigos, somente nós dois havíamos testemunhado aquela reprodução tonitruante do que é considerado por muitos o maior álbum de Rock de todos os tempos. Embora eu tenha muita dificuldade em eleger um único disco como o primeiro entre todos, posso dizer, para mim, está entre os 20 ou 30 melhores de todos os tempos.

De todo modo os números apenas confirmam a grande unanimidade entre críticos e público de que o álbum, como poucos, representou um marco no meio fonográfico, batendo o recorde na Billboard de permanência entre os 200 mais vendidos durante nada menos que 17 anos seguidos. Em termos de vendas totais os números também não são nada modestos, atingindo a marca de mais de 50 milhões em todo o mundo.

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