SANATÓRIO
Logo, quando os corredores ficarem vazios,
e todo o Sanatório adormecer,
a febre dos tísicos entrará no meu quarto,
trazida de manso pela mão da noite.
Então minha testa começará a arder,
e todo meu corpo magro sofrerá.
E eu rolarei ansiado no leito
com o peito opresso e de garganta seca.
E lá fora haverá um vento mau
e as árvores sacudidas darão medo.
E os meus olhos brilharão, procurando
a Morte que quer entrar no meu quarto.
Os meus olhos brilharão como os de uma fera
que defende a entrada da sua morada.
SERÃO DO MENINO POBRE
Na sala da casa da roça
papai lia os jornais atrasados.
Mamãe cerzia minhas meias rasgadas.
A luz frouxa do lampião iluminava a mesa
e deixava nas paredes um bordado de sombras.
Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis
— a vista estava cansada, a luz era fraca,
e passava de leve a mão pelos meus cabelos,
numa carícia muda e silenciosa.
Quando mamãe morreu
o serão ficou triste, a sala vazia.
Papai já não li os jornais
e ficava a olhar-nos silencioso.
A luz do lampião ficou mais fraca
e havia muito mais sombra pelas paredes…
E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior.
A FAZENDA QUE NÃO DÁ MAIS CAFÉ
Para Emílio Moura
Cromos de folhinhas velhas enfeitam as paredes
quadros piedosos de santos, retratos descorados de homens barbudos
de mulheres com roupas estranhas.
Mobília antiga e pesada, cadeiras mancas
com a palhinha furada.
Teias de aranha, pó nas paredes
cheias de figuras e datas a carvão e a lápis.
Um cachorro dorme um sono tranquilo na sala de jantar.
Parece que há alguém muito doente
dentro da velha casa desanimada.
Crianças sujas brincam sem alegria
no terreiro cheio de mato.
Ar pesado.
Entretanto a fazenda já foi alegre e catita
mas começou a ficar assim desde que a terra cansou
e os cafeeiros envelheceram.
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Ascânio Lopes Quatorzevoltas (1906-1929), foi um poeta e escritor brasileiro, reconhecido como uma das figuras centrais do modernismo em Minas Gerais.
