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O MORCEGO DE GOTHAN CITY/COPACABANA

17/11/2025: Acordo e logo pela manhã e confirmo a morte de Macau. Jards Macalé. Cantor, compositor, ator, produtor e diretor artístico, 82 anos, de admiração e rotulação absurdas (“maldito”, “anjo torto da MPB”, o “morcego de Copacabana”…). Infinitamente mais que apenas os rótulos.

Jamais se ajustou em “turminhas”, rotulações ou modismos. Sempre foi um insubmisso, revolucionário, anarquista e fiel à estética da contracultura dos anos 60.

Em parceria com nomes como Wally Salomão, Torquato Neto, Capinam e Duda Machado, transitou entre poesia marginal, experimentação, lirismo e provocação política. Musicou de Ezra Pound a Gregório de Matos, e fez da própria carreira uma manifesto de liberdade.

O PRIMEIRO APAGÃO…

Macalé jamais parou de criar. Transitava de área em área da cultura.

A caminho do aeroporto, no dia 7 de fevereiro de 2018, Jards Macalé comprou um equipamento para ajudar asmáticos a respirar. Não vinha o ar. Tentou, em vão, encher os pulmões. Falhou. Apagou.

Foram semanas na UTI. Melhorou e já queria retornar aos projetos especialmente aqueles que já vinha flertando com músicos e compositores bem jovens. Não deu e o “velho” MACAU segurou a barra até partir da o CD de inéditas 21 anos depois.

Em 2019, depois de reescrever as canções e letras, lançou o BESTA FERA, um dos álbuns mais esperados do ano, com um retrato soturno do Brasil que, em verdade, iniciava a Era Bolsonaro, quatro anos soturnos, desesperadores e de retrocesso total.

Apesar do pessimismo, o CD é uma obra-prima estética fiel ao gênio de Jards Macalé.

“Chegamos ao limite da água mais funda / Levanto o olhar pro céu”, ele canta, como se estivesse ali, no fundo do buraco, no ponto mais escuro do poço. “Trevas, trevas”, ele grita. “Treva a mais negra sobre homens tristes”, conclui. “Somos todos, “tristes, cobertos pelas trevas”.

O incansável contestador visionário acertara novamente na mosca. Trabalho contemporâneo e atualíssimo, infelizmente. Mas a democracia foi reconquistado e novos ares bateram na terra tropicalista de Macunaíma/Macalé.

AS LUZES DA RIBALTA PISCAM…

E então, depois de outro CD e show extraordinário – SÍNTESE DO LANCE (2021-22)-, com o amigo e parceiro de tantos baratos afins, João Donato, Macalé começou a dar sinais de cansaço físico. Agora, novembro de 2025, não deu. Não por falta de ideias, insubmissão e/ou genialidade; faltou ar pela última vez.

O PRIMEIRO GENIAL DA “REVOLTA” A GENTE NUNCA ESQUECE…

Presença marcante. Lembro-me da primeira vez que vi o Jards Macalé ao vivo, foi num show com o Gilberto Gil, no Ginásio de Esportes Elias Kneif, (1971), em Tupã SP, naquela histórica série de shows do Circuito Universitário “censurados” pela ditadura.

Caras como eles, Mautner, Tom Zé, Zé Celso, João Donato, Hermeto Pascoal e tantos artistas geniais inventores do encanto e da ousadia, do espanto, da beleza e do amor são eternos. Puta GRATIDÃO! MACALÈ, lelé morcego de Gothan/Copacana, vapor barato de todos os baratos e invenções: extraordinariamente eterno. EVOÉ, MACALÉ!!!

1* DESTACO aqui uma das últimas passagens iluminadas e sempre hilárias, pois, como Macalé mesmo dizia, “É fundamental não perdermos o bom humor, apesar de tudo, apesar das trevas”: “JARDS MACALÉ pergunta: Como tá a vida, João? E JOÃO DONATO responde: Tranquila… enquanto eu puder entrar e sair do cemitério com as minhas próprias pernas… Tudo bem!”.

(*Durante a gravação do CD histórico com os dois, Síntese do Lance, Petrópolis RJ, (2021).

2* Canção referencial:

Vapor Barato

(Jards Macalé e Wally Salomão – 1971)

Eu estou tão cansado, mas não pra dizer

Que eu não acredito mais em você

Com minhas calças vermelhas

Meu casaco de general cheio de anéis

Eu vou descendo por todas as ruas

Eu vou tomar aquele velho navio

Eu vou olha aquele velho navio

Aquele velho navio

Eu não preciso de muito dinheiro

Graças a Deus

E não importa,…. e não importa Não!

Oh minha honey

Baby, baby, baby……. Honey, Baby

Sim eu estou cansado, mas não pra dizer

Que eu estou indo embora

Talvez eu volte um dia… eu volto, quem sabe

Mas eu preciso

Eu preciso esquecê-la

A minha grande a minha pequena

A minha imensa obsessão

A minha grande obsessão

Oh minha honey

Baby, baby, baby…….Honey, Baby

3* Conheça as canções essenciais de Jards Macalé:

https://www.bing.com/search?q=Vapor+Barato+letra+Macal%C3%A9+Salom%C3%A3o&form=ANNTH1&refig=691dc84da743466ab7ab41e1094d3623&pc=U531

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GILBERTO MOTTA é escritor, jornalista, professor/pesquisador, músico “de nascença” e assim como Jards Macalé, o MACAU, segue pela vida como outro “morcego lelé” sobrevivente da Gotham City perdida lá no final dos anos 60, 70… e pra depois. Vive na Guarda do Embaú, vilarejo do litoral de SC.

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