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O mundo cobra soluções, mas o coração, muitas vezes, só precisa de abrigo

Chovia. A janela, coberta de gotas, parecia um espelho borrado da alma. Do lado de fora, o mundo seguia apressado, carros passando, buzinas cortando o silêncio que a chuva insistia em impor. Do lado de dentro, o coração estava em desalinho, como aquele vidro frio que não deixava ver com clareza o que acontecia além.

Foi nesse instante que compreendi algo que nunca tinha percebido com tanta força: a intimidade verdadeira não nasce dos beijos intensos ou dos toques apressados, mas da presença silenciosa de quem ousa simplesmente ficar. Há um tipo raro de companhia que não exige respostas, não pede explicações, não cobra sorrisos. Apenas permanece.

Em meio ao caos de pensamentos embaralhados, há quem decida não consertar, não dar sermões, não oferecer fórmulas mágicas de superação. Apenas se senta ao lado, escuta o silêncio, respeita o desespero. E isso é tão divino quanto raro. O mundo cobra soluções, mas o coração, muitas vezes, só precisa de abrigo.

Naquele dia, percebi que “ficar” é verbo sagrado. Ficar é ato de amor. É o contrário do abandono. É o reconhecimento de que nem sempre temos força para reagir, mas que a presença do outro pode sustentar a nossa queda. É quando alguém nos prova que o afeto não está nas palavras bem escolhidas, mas no silêncio cúmplice de quem nos atravessa junto.

E talvez seja isso o que a vida pede em seus instantes mais duros: não pressa, não conselhos, não estratégias. Apenas a coragem de estar, de permanecer, de não fugir da dor alheia. Porque, às vezes, só ficar é tudo o que a gente precisa para começar a respirar de novo.

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