Notibras

O pai, a filha e a gravidade

Manuel largou o aparelho celular por um instante, quando percebeu que a filha, Olívia, de dois anos, estava no alto do escorrega, pronta para comprovar que a gravidade, mesmo invisível, existe. O homem pensou na coragem que a garota possuía. Coragem ou completa falta de noção do perigo? Sentiu um frio na barriga, enquanto ela descia, braços erguidos e sorriso desprendido. Pensou: “E ainda é uma exibida!”

O sujeito tentou buscar na memória quando é que ele havia perdido esse modo livre de encarar a vida. O que teria mudado nesses anos todos? Teria sido algo substancial ou, então, somos meras cópias separadas por gerações? Se isso fosse verdade, quando é que Olívia se transformaria numa covarde? Não, não e não! Era difícil para Manuel aceitar que sua cria, que se divertia com aquela atração irresistível da Terra sobre os corpos, não tardaria, seria igual a ele.

Assustou-se com uma borboleta, que, atrevida, pousou em seu ombro. Por sorte, conteve o grito, o que certamente geraria reações nos presentes na praça. Como é que podia algo daquele tipo? Medo de borboleta? Se ao menos fosse uma abelha ou marimbondo. Não! Apenas uma simples borboleta.

Enquanto anotava mentalmente os feitos de Olívia, Manuel procurava eternizá-los para, quando ela estivesse maior, contar-lhe. Será que ela se lembraria do quão fora tão destemida um dia? Melhor seria filmar do que confiar na memória.

Manuel pegou o telefone e abriu a câmera. Já estava pronto para registrar todos os momentos impávidos da herdeira, quando foi interrompido por uma voz irresistível.

— Papai, vem aqui.

Sem alternativa diante daquele pedido, Manuel guardou o aparelho no bolso e foi brincar com a filha, antes que o tempo, ligeiro que nem preá fugindo de lobo-guará, transformasse toda aquela valentia em gente adulta.

Sair da versão mobile