Notibras

O que fica quando a gente vai

Outro dia, conversando com um colega, ele me contou que alguém chorou com a minha partida. Que queria saber de mim, saber onde eu estava, se eu estava bem. Achei curioso. Porque essa pessoa sempre soube onde me encontrar, sabia minhas redes sociais, a casa da minha família, o endereço do meu novo apartamento. Inclusive, me ajudou na mudança.

Mas o que ela nunca soube, talvez, foi como me perder. E isso é algo que não se ensina, se aprende, quando é tarde demais.

As pessoas acham que quando alguém se retira é porque desistiu, fraquejou, se rendeu.

Mas, às vezes, sair de cena é o gesto mais adulto que conseguimos ter. Não é fuga, é escolha. E escolher a si mesmo, depois de tanto tempo escolhendo o outro, é quase um renascimento.

Durante muito tempo, fiz tudo. Cuidava, organizava, resolvia, sustentava o que estava desmoronando. E, quando finalmente fui embora, percebi que o que provocou o choro do outro não foi amor, foi desespero. Desespero por não ter mais quem fizesse tudo por ele.

E é aí que mora a diferença entre saudade e remorso. A saudade é humana, dói, mas é limpa. O remorso, não. Ele corrói.

E o choro do remorso tem um som diferente, é o barulho de quem percebeu, tarde demais, que o cuidado não era obrigação, era amor.

Quando disse ao colega que não acreditava naquele choro, ele ficou em silêncio.

Depois disse:

“Verdade… toda semana você fazia tudo. Tinha tudo. E fazia tudo por ela.”

Fiquei pensando nisso. Chorar por dor é ruim. Chorar por ser traída é devastador. Mas chorar por culpa e remorso, esse é um tipo de dor que atravessa a alma. Porque ela vem acompanhada de lucidez, e a lucidez dói mais que qualquer perda.

Hoje sei que essa pessoa está mal. E, sinceramente, me sensibilizo. Não com ironia, não com superioridade, mas com a compaixão de quem entende que cada um paga o preço das escolhas que fez. A vida ensina com tempo, com silêncio e com distância.

Aprendi que posso perdoar. Perdoei. Mas esquecer? Jamais. E não por maldade, por sabedoria. Porque, depois de certa idade, já não chamamos de erro o que foi decisão consciente.

Sabemos o que fazemos. Sabemos o que destruímos. Sabemos quando alguém nos ama e, mesmo assim, escolhemos machucar.

O perdão não apaga o passado, apenas o reorganiza dentro de nós. Ele não é esquecimento, é maturidade. E se retirar, no fim das contas, foi o gesto mais honesto que pude ter comigo mesma.

Há quem chame isso de egoísmo. Mas quem já se doou até o esgotamento sabe que, às vezes, o verdadeiro amor-próprio é ir embora antes de deixar de se reconhecer. E é isso que as pessoas não entendem: a partida nem sempre é fim, é recomeço.

O choro do outro pode até vir tarde, mas o nosso silêncio, quando chega, é definitivo. Porque o tempo cura, sim, mas também ensina. E, quando a gente aprende, entende que algumas voltas não valem o preço da ida.

Sair da versão mobile