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O Sagrado Feminino sob a Luz Divina

O Sagrado Feminino é uma das expressões espirituais mais antigas da humanidade, presente em diferentes culturas e tradições que, de formas variadas, veneram a mulher como guardiã da vida, mediadora entre o humano e o divino e expressão dos ciclos da natureza. Essa representação espiritual emerge como uma força manifestada pela potência criadora, acolhedora e transformadora vinculada ao princípio feminino e a energia universal.

Embora tais culturas tenham sido, ao longo do tempo, transformadas ou suprimidas pela ascensão do patriarcado, resquícios de seu imaginário permanecem vivos nas mitologias nórdicas, celtas e hindus. Esse arquétipo se manifesta em divindades, mitos, práticas rituais e saberes ancestrais, constituindo uma tradição que dialoga tanto com a religiosidade antiga quanto com expressões contemporâneas de espiritualidade.

O Sagrado Feminino encontra raízes em civilizações ancestrais que adoravam deusas-mãe, como símbolos da fertilidade, da Terra e da vida. Em muitas sociedades arcaicas, sobretudo de base agrícola, os grupos sociais eram centralizados no poder feminino, configurando verdadeiras cosmologias matriarcais. Os povos nórdicos cultuavam a deusa Freyja, ligada ao amor, à fertilidade e à magia, exemplo notável da sacralidade feminina ancestral. Na Turquia, foram encontradas figuras femininas ligadas à fecundidade, apontando para cultos devocionais à Grande Mãe. Na Grécia, cultuava-se Deméter e Perséfone; no Egito, Ísis; e em culturas mesopotâmicas, Inanna e Ishtar. Na tradição hindu, a noção de Shakti, a energia cósmica feminina, é central para a compreensão da espiritualidade. O hinduísmo concebe o universo como resultado da interação entre o princípio masculino (Purusha) e o princípio feminino (Prakriti ou Shakti). Diferente de muitas tradições patriarcais, no hinduísmo védico e tântrico o poder último é feminino, pois sem Shakti o divino masculino permanece inerte

Os rituais pagãos vinculados ao Sagrado Feminino celebravam o ritmo da natureza e o ciclo lunar. A lua, por sua mutabilidade, foi identificada como manifestação da deusa nas suas fases nova, crescente, minguante e cheia, correspondendo à mulher donzela, mãe e anciã. Em outras palavras, é o reflexo dos processos cósmicos de nascimento, plenitude e declínio. Festivais sazonais dos povos celtas, reverenciavam o feminino como força vital, garantindo a continuidade da vida, a fertilidade dos campos e a conexão com o mundo espiritual.

A Wicca, religião neopagã criada em meados do século XX por Gerald Gardner, resgata essas tradições ao posicionar a Deusa no centro de seus rituais. Ela é cultuada ao lado do Deus Cornífero, simbolizando a união dos princípios masculino e feminino. Entretanto, a Deusa assume um papel central, sendo identificada com a Terra, a Lua e o poder gerador da vida. Os wiccanos reconhecem o corpo da mulher como sagrado e a sexualidade como expressão da divindade, em oposição às tradições religiosas que historicamente reprimiram tais dimensões.

O Sagrado Feminino, na Wicca, manifesta-se através de círculos rituais, danças, cânticos e invocações. Nos rituais da Wicca o corpo feminino é valorizado nas danças circulares, onde evoluem coreografias diversas e criativas, com temperos de sensualidade junto às chamas que aquecem a egrégora. A sacerdotisa, frequentemente, ocupa posição central, refletindo a herança matriarcal e a valorização da energia feminina. Os rituais wiccanos e pagãos, portanto, resgatam práticas ancestrais que reconhecem a sacralidade da vida e da mulher como guardiã dos mistérios. O cálice, símbolo feminino, representa o útero e a força geradora, em diálogo com o athame (punhal ritual, símbolo masculino), evocando a união dos princípios opostos.

Quanto à ancestralidade, é preciso reconhecer que o Sagrado Feminino foi historicamente silenciado pelo patriarcado, sobretudo após a ascensão do cristianismo e de instituições religiosas que marginalizaram as antigas práticas pagãs. A demonização das bruxas na Idade Média é reflexo desse processo. Mulheres iniciadas, que dominavam o conhecimento sobre ervas e elixires para cura e espiritualidade, foram perseguidas e trucidadas por representarem o poder feminino livre e autônomo. Entretanto, o Pode Feminino ganha força e vigor nos tempos atuais, com milhões de participantes em todo o mundo.

Sob a Luz Divina, o Sagrado Feminino não é apenas um culto à deusa ou às mulheres, mas a expressão de uma energia cósmica que envolve criação, intuição, acolhimento e transformação. É um princípio universal que, presente desde as primeiras culturas, renasce no contexto moderno como caminho espiritual, terapêutico e político, devolvendo ao feminino sua dignidade e força originária.
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Bahirah Abdalla
Mestre Conselheira do Colégio dos Magos e Sacerdotisas
@colegiodosmagosesacerdotisas

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