Ele sempre achou que envelhecer fosse um processo silencioso, feito de rugas discretas e passos mais curtos. Não contava, porém, com as unhas. Cresciam como se ignorassem o calendário, duras, curvas, quase garras — uma afronta à imagem do cavalheiro que sempre julgou ser.
Durante anos, fora a filha quem cuidara disso. Um ritual doméstico, simples, quase solene: ele sentado, a mão estendida, a tesoura obediente. Amor em forma de corte reto. Mas a filha viajara, e com ela se foi também aquele cuidado miúdo que só a intimidade permite.
— Pai, assim não dá — dizia ela, do outro lado da linha, misto de bronca e riso. — Vá a uma manicure.
Ele concordava em silêncio, mais por educação do que por convicção. Manicure era palavra grande demais para seus constrangimentos pequenos. Salão de beleza, então, parecia território proibido, desses onde o espelho julga e a conversa denuncia.
Tentou passar pela porta da Amanda Oliveira Esmalteria, em Águas Claras, uma, duas vezes. Fingiu procurar outra coisa na calçada, ajustou o relógio, coçou a testa. Não entrou. A timidez, velha companheira, puxava-o de volta pelo braço invisível.
Até que um dia não foi ele quem decidiu. Da porta do salão, uma voz gentil atravessou o vidro:
— Senhor, pode entrar. A gente cuida direitinho.
Não havia convite mais simples nem mais revolucionário. Ele entrou. Sentou-se. Estendeu as mãos e depois os pés sem pedir desculpa. Foi tratado com a naturalidade que só os profissionais de verdade dominam — aquela que não repara na idade, apenas no cuidado.
Saiu dali com mãos e pés alinhados, unhas domadas, quase dóceis. Mas saiu, sobretudo, mais leve. Como quem descobre que a dignidade também mora nos pequenos gestos aceitos, na coragem mínima de atravessar uma porta.
Quando a filha ligou de novo, ele contou com orgulho contido:
— Já fui, sim. E fui bem tratado.
Era verdade. Estava, outra vez, com as mãos de um cavalheiro. E, por um instante raro, com o coração um pouco menos tímido.
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José Seabra é CEO Fundador de Notibras
