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O Voo Frenético da Pressa

Na dança descompassada da cidade, onde o tempo parece um carrasco, a pressa é mais que um passo apressado é uma fuga. Não dos minutos que correm, mas do vazio que sussurra no peito, das verdades que pesam quando o mundo silencia. Há uma poesia inquieta na pressa dos que correm para lugar nenhum, um lamento mudo tecido nos gestos ansiosos, nos olhares que desviam do es-pelho da alma. A pressa, aqui, é um véu, um disfarce para não enfrentar o que lateja dentro.

Naquela tarde, sob um céu que se curvava em tons de cinza, vi o velho Antônio, com seu paletó desbotado, atravessando a rua como se o chão pudesse engoli-lo. Seus passos eram rápidos, quase tropeçando, mas seus olhos, ah, seus olhos carregavam um vazio que nenhum destino poderia pre-encher. Certa vez, num banco de praça, ele deixou escapar: “Parar é lembrar dela, e lembrar dói.” A pressa dele era um exorcismo, uma tentativa de correr mais rápido que a saudade, que o eco de uma voz que já não respondia. Ele fugia, não para chegar, mas para não ficar com o que restava de um amor perdido.

Ao lado, a menina de trança solta, com o celular na mão, digitava furiosamente enquanto cami-nhava, como se cada tecla fosse um grito. Mas, ao parar no sinal, seus dedos hesitaram, e o rosto se abriu num instante de fragilidade. “Se eu paro, penso nele, e pensar é perigoso”, confessou ela uma vez, num café apressado, enquanto pedia o troco antes mesmo de pagar. Sua pressa era um escudo contra o vazio de um adeus não dito, uma corrida para preencher o silêncio com o barulho do movimento. Cada passo era uma nota num poema que ela se recusava a escrever, mas que can-tava em segredo.

E o homem de terno, com a pasta que parecia mais pesada que o mundo, cruzava a avenida com a urgência de quem carrega um prazo. Mas seus olhos, fixos no nada, traíam a verdade: ele corria de si mesmo. “O trabalho me salva”, disse ele, numa fila de mercado, enquanto checava o relógio pela décima vez. Salva de quê? Da quietude que o obrigaria a perguntar: “Quem sou eu sem essa correria?” Sua pressa era uma máscara, uma fuga das dúvidas que espreitam na sombra da alma, dos sonhos que ele guardou numa gaveta trancada.

Eu, parado na calçada, com o vento roçando o rosto, observava esse bailado de fugas. A pressa é um poema sem métrica, escrito em passos, suspiros e olhares desviados. É a alma tentando correr mais rápido que seus próprios fantasmas a saudade que aperta, a solidão que morde, o medo de não ser o suficiente. Mas, no fundo, a pressa não engana o coração. Ela apenas adia o encontro inevitável com o espelho do silêncio, onde as perguntas que fugimos nos encontram.

Quando o dia se curva para a noite, e a cidade desacelera, a pressa se desfaz, como um véu que cai. E ali, no instante em que o mundo cala, percebemos: não é o destino que buscamos, mas a cora-gem de parar. Parar para ouvir o que o coração murmura, para abraçar o vazio e, talvez, encontrar nele um verso novo. Porque a pressa, por mais que corra, nunca escapa da alma, apenas a cansa, até que ela, exausta, peça para, enfim, repousar.

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